Por uma escola menos digital

9 de Setembro 2025

O ano letivo 2025-2026 traz mudanças que limitam a presença dos ecrãs na vida dos alunos. Há novas restrições à adoção dos manuais digitais e o uso de smartphones na escola passa a ser proibido até ao 2º ciclo.

Cada início de ano letivo traz consigo um misto de sentimentos por parte de pais e alunos, na antecipação de novos desafios e conquistas. Desta vez, a perspetiva de uma escola com menos ecrãs pode fazer aumentar o “nervoso miudinho”. Mas, quem sabe, talvez possa conduzir a um balanço mais tranquilo no final.

Tanto ao nível dos manuais digitais, como do uso de telemóveis na escola, Portugal segue a tendência de restringir ou proibir, que já vem sendo adotada noutros países.

Neste ano letivo, o 1º ciclo está excluído do projeto-piloto Manuais Digitais, lançado em 2020, e que abrangia turmas a partir do 3º ano de escolaridade. Duas razões são apontadas pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) para justificar este recuo:

  • Por se tratar de uma fase crítica nas aprendizagens da leitura e da escrita;
  • E porque os efeitos do uso prolongado de ecrãs em crianças ainda estão a ser estudados.

Para as turmas a partir do 2º ciclo, as escolas puderam aderir aos manuais digitais, mas obedecendo, este ano, a condições que anteriormente não eram exigidas. Os estabelecimentos de ensino tiveram de apresentar uma justificação de adequação pedagógica e ficarão sujeitos a monitorização. Além disso, terão de informar e envolver os encarregados de educação e, no caso do ensino secundário, os próprios alunos.

A decisão de excluir apenas o 1º ciclo do acesso aos manuais digitais ignora uma parte das recomendações do relatório da Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência (CNA-PRR), apresentado no passado mês de junho. Segundo o documento, também o 2º ciclo deveria ficar excluído do projeto-piloto. Até ao 5º ano, “não é mesmo considerado adequado, sendo que nos restantes anos é preciso continuar a avaliação”, recomenda a CNA-PRR. “Uma das razões fundamentais”, pode ler-se no relatório, é que “a prática da escrita é importante para o raciocínio mental”, além de que existem “matérias que não devem ser feitas só no digital”.

Entre outras informações, a Comissão baseou esta avaliação nas experiências de projetos-piloto e nas práticas internacionais, que apontam para que os manuais digitais não sejam adotados na generalidade.

Decisão contestada

O Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida manifestou a sua insatisfação perante a decisão do MECI, considerando que o projeto-piloto Manuais Digitais deveria ser suspenso em todos os níveis de ensino.

Para este movimento – que lançou em dezembro de 2023 a petição pública “Contra a excessiva digitalização no ensino e a massificação dos manuais escolares digitais” – continua a não haver “evidência científica que suporte a existência de vantagens dos manuais digitais para os processos de aprendizagem, mas é claríssima a distração e dispersão que provoca para outros conteúdos não letivos”.

De acordo com os resultados de inquéritos nacionais realizados pelo Movimento, 85% dos encarregados de educação e 87% dos professores estão insatisfeitos com o projeto-piloto Manuais Digitais e gostariam que terminasse.

Escolas livres de telemóveis

O ano letivo 2025-2026 traz outra mudança nos estabelecimentos de ensino nacionais, para muitos mais radical: os alunos do 1º e 2º ciclos de escolaridade deixarão de poder usar, no espaço escolar, smartphones e outros dispositivos com acesso à internet. O MECI fundamenta esta medida nas conclusões de um estudo do Centro de Planeamento e de Avaliação de Políticas Públicas, que procurou analisar os resultados das recomendações feitas pela tutela, em setembro de 2024, sobre o uso de smartphones na escola. Nessa altura, foi recomendada a sua proibição nos 1º e 2º ciclos do ensino básico e a adoção de medidas restritivas no 3º ciclo e no ensino secundário.

O relatório revelou uma relação entre a proibição do uso de telemóvel e:

✅ A diminuição do bullying, da indisciplina e dos confrontos;

✅ O aumento da socialização entre os alunos;

✅ O aumento da atividade física e do tempo passado nas bibliotecas.

O uso de “dumbphones” – telemóveis que permitem apenas funções telefónicas básicas, sem acesso à internet – não está abrangido pela proibição. E há situações em que esta não se aplica:

  • Quando existam razões de saúde comprovadas;
  • No caso de alunos com baixo domínio da língua portuguesa, que usem o smartphone como ferramenta de tradução;
  • Sempre que o smartphone seja usado para fins pedagógicos, devidamente autorizados pela escola.

Para o 3º ciclo, o Ministério recomenda a implementação de medidas que restrinjam e desincentivem a utilização de smartphones nos espaços escolares. Já para o ensino secundário, apela a que as direções escolares envolvam os alunos na construção de regras para a sua utilização responsável dentro da escola.

No caso de haver partilha de espaços e instalações escolares por alunos do 2º e 3º ciclos – situação identificada, pelas direções escolares, como obstáculo à implementação das novas regras –, a recomendação é que seja ponderado o alargamento da proibição também aos alunos do 3.º ciclo.

Esse alargamento é precisamente o que defende o Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida, considerando que a proibição apenas até ao 6.º ano não será eficaz. Nesse sentido, enviou uma carta aos diretores dos estabelecimentos escolares, pedindo que estendam a proibição até ao 9.º ano.

Num tempo em que a escola procura encontrar o equilíbrio certo entre tecnologia e aprendizagem, o papel mantém intactas as suas credenciais enquanto aliado da leitura, do raciocínio e da concentração. Com provas dadas na sala de aula, continua a ser o suporte que ajuda a escrever melhor, a pensar de forma mais estruturada e a aprender de modo mais duradouro.

Os alunos do 1º e 2º ciclos de escolaridade deixarão de poder usar, no espaço escolar, smartphones e outros dispositivos com acesso à internet. Os manuais digitais ficam também de fora das salas de aula do 1º ciclo.