Reatar a ligação com a natureza

7 de Outubro 2025

A relação com a natureza sempre fez parte da experiência humana. Mas nos últimos dois séculos fomo-nos afastando desse mundo do qual fazemos parte. Reconectarmo-nos é possível e urgente – dessa ligação depende o nosso bem-estar e a própria saúde do planeta.

Em apenas 200 anos, a ligação das pessoas com a natureza caiu mais de 60%. É essa a principal conclusão do trabalho do investigador inglês Miles Richardson, professor na Universidade de Derby, no Reino Unido. O objetivo a que se propôs foi o de traçar a evolução da relação entre o ser humano e a natureza entre 1800 e 2020. Mas também usar um modelo preditivo para antecipar como esta relação pode alterar-se até 2125. As suas conclusões foram publicadas na revista Earth, no final de julho de 2025.

Ao longo das décadas analisadas, as oportunidades de contacto com a natureza diminuíram, sobretudo no mundo ocidental, o que levou a que o interesse das pessoas por esse universo fosse enfraquecendo. Esta desconexão é agora reconhecida pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES) como uma das causas das crises ambientais que hoje enfrentamos: perda de biodiversidade e alterações climáticas.

O estudo científico baseou-se em variáveis como a concentração de pessoas nos grandes centros urbanos, a perda de biodiversidade local e a diminuição da “transmissão intergeracional” – ou seja, a tendência de os pais deixarem de passar aos filhos o gosto e a atenção pela natureza. Com base nesses dados, Richardson identificou um círculo vicioso: quanto menos contacto os adultos têm com a natureza, menos transmitem esse vínculo às gerações seguintes.

A este fenómeno, o investigador chamou de “extinção da experiência”: uma erosão lenta da nossa vivência com o mundo natural, que não se traduz apenas em desinteresse, mas também em desorientação emocional e cultural. Um dos indicadores mais curiosos deste processo foi o desaparecimento de palavras como “musgo”, “rio” ou “flor” da literatura inglesa – termos cuja frequência caiu mais de 60% entre 1800 e 1990. Mas também há sinais de esperança: na verdade, nas últimas duas décadas, esse léxico tem vindo a ser, lentamente, recuperado.

Nutrir o fascínio inato pelo mundo natural

A investigação também avançou cenários até 2125, com base num modelo preditivo, e as projeções para o futuro são alarmantes. Mesmo com intervenções ambiciosas, como a multiplicação das áreas verdes nos espaços urbanos ou a promoção de atividades na natureza, Miles Richardson prevê que a tendência de afastamento se mantenha até 2050. O fator determinante, para este cenário, não é apenas a oportunidade de acesso à natureza, mas sim aquilo a que o investigador denomina “orientação para a natureza” – uma predisposição emocional e afetiva que se desenvolve na infância e é sobretudo moldada pelas figuras parentais.

Richardson é claro: mais do que ensinar as crianças a ligarem-se à natureza, é urgente evitar que percam essa ligação inata. “Um recém-nascido hoje é igual a um de 1800. As crianças são fascinadas pelo mundo natural. Manter isso durante a infância e a escolaridade é essencial, juntamente com o esforço de tornar as cidades mais verdes”, sublinhou o investigador, em entrevista ao jornal The Guardian.

Como reatar com a mãe natureza? 

A mudança é urgente: novas políticas têm de ser implementadas nos próximos 25 anos para reverter a tendência de afastamento. Do ponto de vista urbano, a transformação tem de ser profunda: as cidades devem tornar-se dez vezes mais verdes do que são hoje. É necessário criar parques com biodiversidade, corredores verdes funcionais e espaços públicos que incentivem o contacto diário com o mundo natural.

A escola também deve fazer parte desta mudança. E não apenas através de visitas esporádicas ao campo, mas com integração estruturada e regular da natureza no sistema educativo: por exemplo, através de aulas ao ar livre, hortas escolares, trilhos pedagógicos ou experiências sensoriais.

Uma outra estratégia será a de procurar multiplicar o tempo médio passado em contacto com a natureza. De acordo com Miles Richardson, as pessoas que vivem nas cidades do Reino Unido passam apenas quatro minutos e meio por dia em espaços verdes. Mais de 92% do seu tempo é passado em ambientes fechados ou dentro do carro. Passar para 40 a 45 minutos por dia em contacto com a natureza — seja num parque, num jardim, numa floresta ou à beira-rio –, seria suficiente para começar a reverter séculos de afastamento.

Recolocar a natureza no centro da vida humana é indispensável para travar a crise ambiental e restaurar o equilíbrio emocional e social das próximas gerações.

Em apenas 200 anos, a nossa ligação com a natureza caiu mais de 60%.