A noite em que o Sol começa a voltar

19 de Dezembro 2025

No solstício de inverno, a noite atinge a sua duração máxima e o Sol começa a recuperar terreno. Um fenómeno astronómico que, desde sempre, guiou calendários, rituais e a relação das sociedades com os ciclos da natureza.

O solstício de inverno é um fenómeno astronómico que ocorre quando um dos polos da Terra atinge a máxima inclinação para longe do sol, afastando-se da sua luz. No hemisfério norte, isso acontece, normalmente, a 21 ou 22 de dezembro. É o Polo Norte que fica então mais inclinado para longe do sol, resultando no dia com menos horas de luz e na noite mais longa do ano. Em 2025, o solstício de inverno calha no dia 21, às 15h03 (hora de Portugal continental). No hemisfério sul, tudo se inverte: o mesmo momento marca o início do verão a sul do equador.

Os solstícios – e as estações do ano – acontecem porque o eixo da Terra está inclinado 23,4 graus em relação à órbita que o planeta descreve em torno do Sol. Sem inclinação axial, este iluminaria cada latitude sempre com o mesmo ângulo ao longo de todo o ano, e não haveria variação sazonal.

Atualmente, passamos por todos estes fenómenos mais ou menos incólumes, mas em tempos antigos, para quem vivia da agricultura e da luz natural, esta transição era tudo menos abstrata. Desde a Antiguidade, o solstício de inverno era visto como uma espécie de “virar de página” do ano, o ponto em que o Sol, depois de parecer descer no horizonte, parava um instante e começava a subir de novo.

Antes de lhe chamarmos Natal…

Na Roma antiga, dezembro era sinónimo de Saturnália, um festival ruidoso em honra de Saturno, o deus da agricultura. Começava a 17 de dezembro e estendia-se por vários dias, cheios de banquetes, jogos, trocas de presentes e inversão simbólica de papéis, em que escravos tinham mais liberdade e as normas eram relaxadas.

Por volta do século terceiro, o imperador Aureliano instituiu também o Dies Natalis Solis Invicti, “aniversário do Sol Invencível”, a 25 de dezembro, ligado ao renascimento do Sol após o solstício.

Os historiadores concordam que estas festividades ligadas ao Sol e à fertilidade do ano influenciaram a escolha de dezembro para a celebração cristã do Natal, mesmo que os calendários e as datas exatas não sejam totalmente coincidentes.

Em paralelo, no norte da Europa, os povos germânicos celebravam o Yule, um festival de meio de inverno, com fogueiras, troncos que ardiam dias inteiros, comida abundante e símbolos de verde persistente, como ramos de pinheiro, associados à esperança de vida que resiste ao frio. Várias destas imagens – da luz que não se apaga ao verde dentro de casa – caminharam ao lado da expansão do Natal cristão e acabaram integradas nas tradições que hoje nos parecem óbvias.

Histórias do solstício à volta do mundo

As paisagens mudam, mas a ligação entre o solstício e os ciclos da natureza mantém-se, mesmo que assuma outras linguagens. Em Stonehenge, no sul de Inglaterra, o famoso círculo megalítico foi construído de forma a alinhar com o Sol nos solstícios. No inverno, o pôr do Sol em dezembro ocorre precisamente no eixo do monumento, e ainda hoje milhares de pessoas ali se juntam para celebrar a noite mais longa, numa mistura de curiosos, turistas e grupos neopagãos.

Na China, o festival Dongzhi, que significa, literalmente, “chegada do inverno”, marca o solstício com um ritual muito mais caseiro. As famílias juntam-se para comer dumplings (bolinhos de massa) e tangyuan (pequenas bolas de arroz glutinoso). A forma arredondada destas iguarias simboliza unidade e completude: um círculo familiar que se fecha para enfrentar o frio.

Em países de tradição persa, como o Irão, a noite do solstício de inverno é celebrada como noite de Yaldá. As pessoas ficam acordadas até tarde – muitas a noite toda, para acolher o nascer do sol –, e partilham frutos de tom vermelho, como romã e melancia, que simbolizam o amanhecer e o brilho da vida. Enquanto isso, contam histórias para “enganar” a escuridão, numa festa cuja origem recua, pelo menos, à dinastia aqueménida (por volta de 600 a.C.).

No hemisfério sul, onde o solstício de inverno calha em junho, o padrão repete-se, apenas noutro mês do calendário.

A bússola da natureza

Sejam quais forem os mitos, deuses e costumes, o solstício de inverno tem sempre por base o mesmo gesto simples: a Terra, inclinada, passa pelo ponto em que um hemisfério fica mais orientado para longe da luz do Sol. Daí em diante, os dias começam a crescer, pouco a pouco.

Em latitudes como a de Portugal, a diferença não é tão extrema como em regiões mais a norte, mas sente-se nos dias que parecem acabar a meio da tarde e, algumas semanas depois, naquele momento discreto em que reparamos que já não saímos do trabalho com a noite cerrada.

Talvez seja por isso que, mesmo nas nossas cidades cheias de iluminação artificial, continuamos a concentrar tantas festas em torno desta data – como se o calendário cultural ainda escutasse o calendário astronómico. Luzes nas ruas, jantares prolongados com amigos e família, pequenos rituais domésticos: tudo isto ecoa, de forma distante, com as fogueiras, as velas e os banquetes através dos quais outras sociedades celebravam o retorno simbólico do Sol.

Lembrar que os nossos dias mais escuros também passam, que a luz regressa, e que a vida na Terra depende desse equilíbrio delicado entre inclinação, órbita e a energia que o Sol nos envia, é uma forma de reconhecer que muitos dos nossos rituais continuam ancorados nos ciclos da natureza. Mesmo quando já quase não damos por isso.