O silêncio da neve

26 de Dezembro 2025

Não há silêncio igual ao de uma paisagem coberta com um manto branco. E esse silêncio faz parte da magia que associamos à neve. O segredo está na estrutura porosa dos flocos, que absorve parte do som. E que pode servir de inspiração para trazer um pouco dessa calma às ruidosas cidades.

Quando cai em quantidade suficiente, a neve forma uma camada branca, composta por inúmeros cristais de gelo com muito ar entre si. Esta estrutura, bastante porosa, funciona de modo semelhante aos materiais usados para o isolamento acústico – absorve as ondas sonoras em vez de as refletir. É isso que explica a redução da reverberação e do volume de som percebido.

Esse efeito é ainda mais intenso quando estamos perante neve acabada de cair, formando um “tapete” leve e fofo. De acordo com um estudo da Universidade do Kentucky, bastam alguns centímetros de neve para absorver até 60% do som.

Noutras condições, contudo, essa capacidade de absorver o ruído pode desaparecer. Ao ficar compactada, molhada ou quando se transforma em gelo, a neve deixa ser poros, ou seja, os espaços com ar entre os cristais desaparecem. A superfície torna-se então rígida e o som passa a ser refletido. A propagação sonora é recuperada e até pode ser reforçada.

O valor do silêncio

A serenidade ou sensação de calma associada a uma paisagem nevada lembra-nos o valor do silêncio. E pode sugerir uma reflexão mais ampla sobre a poluição sonora, que afeta diariamente milhões de pessoas em zonas urbanas. O contraste entre o ruído, por vezes perturbador, da cidade e o bem-estar que o silêncio da neve nos oferece, é revelador da importância do som enquanto indicador de qualidade de vida.

A experiência do silêncio provocado pela neve oferece mais do que ausência de ruído – propõe tranquilidade, contemplação, respeito pelos ritmos da natureza e das pessoas. Valorizar o silêncio significa reconhecer que o ruído também é uma forma de poluição e que proteger a qualidade sonora do ambiente é essencial para o bem-estar das pessoas e dos ecossistemas urbanos.

Há estratégias para trazer mais calma às cidades, com inspiração no isolamento acústico que a neve oferece. Se o planeamento urbano integrar mais espaços verdes, barreiras naturais, pavimentos porosos e zonas de menor tráfego, será possível criar um ambiente sonoro mais saudável para as pessoas.

Em Portugal, a atenção dada à poluição sonora ainda é reduzida. A Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente 2025-2030 foi aprovada apenas no passado mês de junho – apesar de a sua criação estar prevista no Regulamento Geral do Ruído, em vigor desde 2007. O objetivo é “reduzir a exposição da população a ruído excessivo, protegendo a saúde humana e promovendo o direito dos cidadãos ao sossego e bem-estar”.

A neve é rara em Portugal, sobretudo nas cidades, mas a ciência por detrás do fenómeno de absorção sonora é universal. A camada de neve fresca funciona de modo comparável a um painel acústico natural, oferecendo-nos uma lição de paz. Trazer esse estado de equilíbrio aos ambientes que construímos poderá contribuir para termos cidades onde viver signifique também poder ouvir o silêncio.

❄️ O que é a neve?

A neve forma-se quando o vapor de água na atmosfera congela diretamente em cristais de gelo. Não é chuva congelada (a isso chama-se granizo), mas antes vapor de água transformado em gelo, sem passar pela fase líquida. Para nevar, são necessárias temperaturas iguais ou inferiores a zero graus, nas nuvens, e condições suficientemente frias na atmosfera para que os flocos não derretam antes de tocar no solo. A cor branca resulta da forma como os cristais refletem e dispersam a luz solar.