Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS), reforça a urgência de agir em defesa do clima.
Os planos dos países da União Europeia para utilização da “bazuca”, com verbas dedicadas à “dimensão verde” acima das metas propostas, fazem-no acreditar que estamos num ponto de viragem?§
A pandemia levou as pessoas a meditar sobre a relação que têm com a natureza, que não é harmoniosa. Creio que estamos mais preocupados. É uma oportunidade para encontrar outro rumo, aproveitada pela União Europeia, com o Pacto Ecológico (Green Deal) e a Lei do Clima, recentemente aprovada. Veremos se será uma tendência duradoura.
O historial de incumprimento de metas deixa-o preocupado, naturalmente…
Para que a temperatura média da atmosfera deixe de aumentar, é necessário que as emissões de gases com efeito de estufa se reduzam a zero. É um desafio gigante. No início do século, pretendia-se que as emissões fossem residuais. Hoje, sabemos que, se isso acontecer, o aquecimento não irá parar tão cedo e o nível do mar continuará a subir. Temos mesmo de baixar a temperatura. Só que chegar a zero emissões é quase impossível. Vamos todos deixar de comer carne? E para termos emissões negativas, temos de plantar floresta ou ter “árvores artificiais”, ventoinhas que fazem passar o ar por um túnel para lhe retirar o carbono. É um processo caro e que gasta muita energia. É um desafio colossal.
A meta da neutralidade carbónica em 2050 é plausível?
Nos países da OCDE não se está muito longe de cumprir o Acordo de Paris. A União Europeia reduziu 24% das emissões desde 1990. O problema é o resto do mundo, que anda a outra velocidade, e onde a emissões crescem vertiginosamente. Mas, nestes países, o consumo energético per capita é muito inferior. A Índia e a China não podem ter a ambição de atingir a mesma qualidade de vida das economias avançadas? Isto é que é difícil de resolver. O carvão continua baratíssimo, comparativamente às energias renováveis. As economias avançadas terão de ajudar as outras a fazer a transição energética.
É possível compatibilizar o crescimento económico com o combate ao aquecimento global?
Grande parte pode ser resolvida com maior eficiência energética. Precisamos de equipamentos mais eficientes. E devemos também ter em conta o conceito de “suficiência energética”: não basta as pessoas preocuparem-se com a eficiência dos seus equipamentos, isto é, em gastar menos energia para obter o mesmo conforto; é preciso consumir menos, cada vez menos. Vai ser muito difícil encontrar fontes de energia pouco poluentes capazes de satisfazer toda a população humana, que continua a crescer. Somos 7,9 mil milhões e, em 2100, seremos 11 mil milhões. Onde haverá energia para toda esta gente? E alimentos? A economia cresce, tudo cresce, mas a Terra não cresce. O planeta não incha, o nosso espaço é o mesmo.
Mas vamos chegar a um ponto em que não haverá outra saída senão mudar.
Há cidades onde já só à noite se consegue sair para passear os bebés; há aeroportos onde aviões são impedidos de levantar voo porque o ar fica pouco denso; há estradas onde o alcatrão derrete; os ciclones tropicais são mais intensos e mais frequentes… Sim, chegaremos a um beco sem saída, se não houver mudanças.