Os dias e as noites com a mesma duração anunciam-nos a chegada do outono. O equinócio marca a nova estação, com todo o seu simbolismo e rituais.
Na madrugada de sexta-feira, dia 23 de setembro, às 2h03m, o sol estará a incidir na Terra com a mesma intensidade nos dois hemisférios. É o momento do equinócio que marca o início do outono no hemisfério norte e da primavera no hemisfério sul. Nesse momento, nenhum dos pólos da Terra está mais perto do sol do que o outro. Os raios solares atingem a linha do equador verticalmente, fazendo com que o dia e a noite tenham a mesma duração. É precisamente esse o significado da palavra equinócio: “noite igual” — com origem no latim “aequus” (igual) e “noctium” (noite).
Um fenómeno astronómico que ganhou um enorme simbolismo ao longo da história da humanidade. Esta data foi, e ainda é, motivo de celebração em inúmeras culturas, com rituais associados às colheitas que, literal e simbolicamente, são uma preparação para as estações mais frias.
Na natureza, o outono é a estação em que as árvores se despem e os animais que hibernam planeiam os meses em que há escassez de alimentos. Deixar ir o que não é fundamental, dar atenção à casa, conservar alimentos para os meses frios e agradecer fazem parte do espírito da estação e inspiraram rituais que perduram até aos dias de hoje.
O Mabon ou “Festival da segunda colheita” é um desses rituais, que faz parte das culturas pagãs celtas. Em meados do séc. XX, muitas das tradições e valores desta cultura foram recuperados. O dia do equinócio era um dia sagrado dedicado à celebração e ao agradecimento à Mãe Terra pela abundância das colheitas de verão. Esse agradecimento materializa-se em juntar grãos de cereais, folhas secas, maçãs, nozes e abóboras num arranjo de outono. A maçã não pode faltar, no Mabon, como símbolo da renovação, regeneração e integridade.
A romã é outro fruto associado ao equinócio de outono, por conta da mitologia grega. Reza o mito que foi o rapto de Perséfone, filha de Zeus, por Hades, que determinou o domínio da escuridão em metade do ano e, assim, a natureza cíclica das estações. A romã foi o fruto que Hades ofereceu a Perséfone. Ao comer alguns grãos, esta passou a pertencer-lhe.
Chineses e vietnamitas celebram a lua cheia mais próxima do equinócio, associando-a à fertilidade e colheitas abundantes. No Festival da Lua Cheia ainda hoje as famílias se reúnem, há iluminação festiva pelas ruas e partilham-se os tradicionais “moon cakes” (bolos da lua).
Com ou sem rituais, o início do outono pode ser uma boa época para balanços e adoção de novos hábitos que tragam maior bem-estar ou permitam alcançar novos objetivos. Afinal, é uma estação de transformação e também de maturidade, reconexão e equilíbrio.
O outono dos escritores
Se o outono nos vira para dentro, tanto literal quanto metaforicamente, não é de estranhar que escritores e poetas se sintam especialmente realizados e inspirados nesta — e por esta — estação do ano. Vale a pena conhecer algumas reflexões literárias e poéticas sobre o tema:
“Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza”
Carlos Drummond de Andrade
“O outono é a estação mais suave, e o que perdemos em flores, mais do que ganhamos em frutas.”
Samuel Butler
“Abril nunca significou muito para mim, o outono parece aquela estação do começo, a primavera.”
Truman Capote
“O outono é uma segunda primavera, cada folha uma flor.”
Albert Camus
“Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Com o Inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o Estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
O amarelo actual que as folhas vivem
E as torna diferentes.”
Fernando Pessoa (Quando, Lídia, vier o nosso Outono)
“Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.”
Miguel Torga, Outono, Diário X (1966)
Por que não acontece o equinócio sempre no mesmo dia?
Porque o movimento de translação da Terra faz-se em ciclos que não correspondem exatamente a 365 dias, mas sim a 365 dias mais cinco horas, 48 minutos e 48 segundos. Assim, em cada ano, atinge-se o equinócio – que não é mais do que um momento no movimento de translação da Terra – perto de seis horas mais tarde do que no ano anterior. Ao fim de quatro anos, essa diferença atinge quase 24 horas, mas o ano bissexto vem fazer uma correção, que permite que o equinócio de outono aconteça sempre entre os dias 22 e 23 de setembro.