Na economia, nas empresas e na vida profissional, a incerteza é uma limitação ou um motor de desenvolvimento? Daniel Traça, professor catedrático, doutorado em Economia pela Columbia University, diz-nos que é, seguramente, um fator de mudança: “São necessárias novas ideias e abordagens, ou continuaremos a nadar neste lago de cisnes negros”.
Lançado em 2007 pelo filósofo, com formação em economia, Nassim Taleb, o livro “O Cisne Negro” tornou-se lapidar na interpretação de alguns dos mais marcantes fenómenos socioeconómicos contemporâneos. Os “cisnes negros” de que fala Taleb são eventos súbitos e muito raros, que a sociedade não conseguiu prever, e para os quais não estava preparada, com impactos significativos na vida das pessoas e da economia.
“Estão a ocorrer à nossa volta, e de uma forma constante, eventos desta natureza, como por exemplo a pandemia, a guerra na Ucrânia, os colapsos financeiros, ou a quebra completa das cadeias de produção, com os quais não estamos preparados para lidar”, exemplifica Daniel Traça, para sublinhar um ponto diferenciador: “Além do elevado impacto, aquilo que agora se destaca é a frequência com que surgem”.
Daniel Traça enquadra este multiplicar de “cisnes negros” com “três grandes mudanças estruturais” que começaram a desenhar-se a partir de meados da década de 90 do século XX. A primeira delas, intimamente ligada à disseminação da internet, reside na mudança tecnológica, que se desenvolve a um ritmo acelerado e introduz grande disrupção. A este cenário junta-se o segundo fator, que é a globalização generalizada da economia – por um lado, com o crescimento da relevância económica da China, por outro, com as mudanças na Europa de Leste, realidades que vieram alterar substancialmente o enquadramento geopolítico. Por fim, o advento do fenómeno das alterações climáticas, que veio colocar em risco a nossa própria existência.
Estes três choques tornaram desajustada toda a forma como tínhamos organizado o mundo a partir do pós-segunda guerra mundial, “desde as instituições, à condução das políticas competitivas, passando pelo modo como as pessoas viam as suas carreiras e como se relacionavam com as empresas”, explica Daniel Traça. As instituições e os modelos de organização “funcionaram naquelas décadas de extraordinária prosperidade e crescimento, mas não foram concebidas para um contexto com esta velocidade exponencial do desenvolvimento da tecnologia, para lidar com uma globalização disruptiva e cheia de tensões, ou para o problema da sustentabilidade e das alterações climáticas”, detalha.
“Os ‘cisnes negros’ continuarão a aparecer enquanto durar a nossa incapacidade de gerar novas instituições que devolvam alguma estabilidade; que permitam, por exemplo, que Ucrânia e Rússia conversem para evitar este tipo de conflitos, que nos possibilitem encontrar uma forma de nos organizarmos para gerirmos o problema climático global com resultados, ou até que nos sirvam para encontrarmos uma forma de abordar questões tão atuais como as redes sociais enquanto espaços de disrupção social e de instabilidade”, exemplifica.
Uma frequência cada vez maior de acontecimentos inesperados e brutais nas suas consequências, num contexto que tornou anacrónica a nossa organização social e económica, cujos princípios basilares remontam aos anos 50 do século XX.
E agora?
Daniel Traça elenca duas urgências essenciais: “Por um lado, criar um diferente enquadramento organizacional nas nossas sociedades, novas instituições que nos permitam lidar com todas estas forças desordenadas, com este caos, e, por outro, fortalecer a nossa própria capacidade individual e das nossas organizações”. E uma noção chave: “O mundo é fundamentalmente novo e são necessárias ideias fundamentalmente novas”.
Este não é um desafio desconhecido, nem insuperável para a Humanidade, considera Daniel Traça. A História contemporânea dá-nos exemplos tão claros como as mutações do tecido socioeconómico após a Revolução Industrial, os modelos de organização política que introduziram fortes disrupções no início do século XX, ou as correntes de pensamento após a grande depressão dos anos 20 do século passado, para além das reformas globais e institucionais a seguir à segunda guerra mundial. O problema é que, a partir daí, “o pensamento, nomeadamente o pensamento económico, praticamente estagnou”.
Hoje, o professor catedrático de Economia considera absolutamente imprescindível recuperar a “criatividade que dê origem a novas respostas”. E, refere, “vejo poucas ideias novas a surgirem”. Se, nas empresas, a questão é quase depuradora – “as empresas que tiverem uma grande ideia sobrevivem, as que não o conseguirem saem do mercado” –, ao nível dos Estados, a necessidade de reformas, na abordagem e nas soluções, é ainda mais determinante, pela forma como isso afeta a vida das sociedades mundiais, seja na redistribuição do rendimento, nos cuidados de saúde ou na regulação nacional e internacional.
“A capacidade de gerar novas respostas para lidar com este mundo novo que se criou com a globalização, com a tecnologia e com as alterações climáticas, é ainda mais importante nos Estados”, vinca Daniel Traça. “E o que nós temos hoje em dia é uma cada vez menor capacidade de gestão e de renovação de quem está nos governos, enquanto vemos uma perda de confiança dos cidadãos, com uma ligação direta ao crescimento de fenómenos como o populismo”.
“Se não se repuserem instituições que voltem a trazer alguma estabilidade e previsibilidade à vida das pessoas, caminharemos para um aumento do nível de desespero, até porque a nossa capacidade para lidar com ‘cisnes negros’ tem limites, conduzindo a ciclos de medo”, reflete.
Daniel Traça considera que não estamos perante uma inevitabilidade. E que as soluções residem em nós. “Já estivemos aqui antes”, comenta, para concluir: “A História mostra-nos que, no passado, tivemos a capacidade para agir rapidamente e lidar com a mudança. E que o mundo que resultou dessa mobilização coletiva foi sempre melhor”.