Helena Freitas, investigadora e professora catedrática, reflete sobre o papel da ciência nos tempos exigentes e conturbados que vivemos, depois de quebrada uma ilusão de estabilidade em que toda a sociedade assentava.
A história diz-nos que a força do conhecimento científico depende dos ciclos, dos momentos, dos diferentes estímulos que a sociedade gera. Mas está lá sempre. Helena Freitas, investigadora, professora catedrática na Universidade de Coimbra e diretora do Parque de Serralves, com uma longa carreira dedicada ao estudo da Ecologia, corrobora precisamente esta ideia: “Mesmo num quadro societal que carece de estabilidade, a ciência não para”.
E não é preciso olhar muito para trás: “A pandemia mostrou-nos que a ciência pode trazer soluções. O caso português foi extraordinário, houve muita confiança e uma injeção de credibilidade naquilo que é o trabalho científico. As pessoas querem mais ciência e acreditam cada vez mais que é no conhecimento científico que reside a solução para os desafios que o mundo enfrenta”.
Mas a incerteza que faz nascer a ciência pode, paradoxalmente, ser um território difícil para quem a trabalha. Logo a começar no ensino. “É fundamental assegurar a manutenção das equipas de investigação, valorizar a densidade crítica, promover abordagens mais sistémicas, mais interdisciplinares, escrever artigos. Isso é a essência da ciência. E, para isso, é preciso apoiar os recursos mais qualificados, segurar as pessoas e não perder competências”, refere Helena Freitas. “Não é determinante se conseguimos oportunidades de financiamento, se ganhamos projetos, isso nunca foi o mais importante”, acrescenta, sublinhando que “o relevante é encontrar um caminho para retirar do pensamento destas pessoas, tanto quanto possível, um latente quadro de incerteza quanto ao futuro”.
A incerteza existe, mas não paralisa: “Os alunos já vivem e crescem nesta condição, mas estão disponíveis para encontrar soluções. Não estão parados, porque têm o sonho de viver e não querem ficar prisoneiros do que os inibe”.
E como será que estas novas gerações de investigadores lidam, no seu dia-a-dia, com outro foco de incerteza: a globalização da informação, muitas vezes de validade questionável ou mesmo incorreta? Helena Freitas marca uma fronteira: “Há um conjunto de princípios que se mantêm válidos e que são orientadores das práticas científicas. O controlo interno, o escrutínio e validação são algo que nunca poderá colapsar. A crescente mercantilização e episódicas tentativas de manipulação são combatidas por um princípio ativo que mobiliza a comunidade científica, que é impor-se sobre lógicas desonestas”.
Valores fortes e instituições sólidas
A ética é uma componente fundamental no exercício da ciência. Este é outro dos pontos relevados por Helena Freitas: “Às vezes o mais importante é explorar um caminho que responda àquilo que a sociedade verdadeiramente necessita, mesmo que isso gere impacto negativo noutras áreas. É preciso ponderar. Há um quadro de valores que tem de imperar, de modo que tomemos as opções mais justas e adequadas aos tempos que vivemos”.
Ao longo da sua já extensa carreira, Helena Freitas ganhou igualmente uma noção clara da relevância que, sobretudo em contextos de incerteza, representa a manutenção de instituições sólidas, influentes e capazes de dar importantes passos com real impacto na vida das pessoas.
A investigadora faz questão de recordar “o movimento de consolidação que se observou no pós-segunda guerra e que nos fez crescer num quadro de referência do ponto de vista da coordenação global”. E explica o impacto deste fenómeno: “Criou-nos uma ilusão de estabilidade e, quando essa estabilidade sofre um abalo, isso afeta toda a sociedade e a nossa própria forma de estar. Isto é agravado por todas as questões relacionadas com os recursos naturais, que exigem uma mudança de paradigma e às quais temos urgentemente de dar resposta”.
Conclui, sublinhando que “é impensável deixar enfraquecer instituições de referência como, por exemplo, a ONU e a UNESCO. São organizações carregadas de positividade e credíveis em virtude do seu legado. Souberam construir uma agenda de progresso, de desenvolvimento, de proximidade às comunidades, de privilegiar o coletivo em detrimento do individual, defender a paz em detrimento da guerra. As escolhas que essas entidades fizeram e fazem em prol do bem comum são valiosas e realmente contam”.