A arte japonesa de “esculpir” em papel esconde segredos matemáticos a cada dobra. Esse lado menos visível torna-a uma ferramenta pedagógica valiosa no ensino da disciplina.
Tudo começa com uma única folha de papel, que se dobra, se vira e torna a dobrar até nascer uma obra geométrica intrincada, com vincos e ângulos precisos.
O origami é um processo de paciência, concentração e criatividade, onde a simplicidade e a versatilidade do papel, como meio artístico, contrastam com a complexidade do objeto criado. Um universo de possibilidades que se revela a cada dobra vincada neste material ancestral.
O que talvez poucos saibam é que esta arte obedece a princípios matemáticos e geométricos que têm sido estudados por mestres do origami, matemáticos e cientistas. Mas também por professores, de vários níveis de ensino, que têm desenvolvido estratégias para usar o origami no ensino de conceitos matemáticos em sala de aula.
Dobragem, papel e matemática: um triângulo equilátero
A construção de um origami parte da dobragem de um quadrado perfeito de papel, a partir do qual se pode obter triângulos e outros polígonos. Por aqui se percebe que há múltiplos conceitos matemáticos envolvidos, o que tem feito desta arte uma ferramenta ao serviço do ensino da disciplina. Ilda Rafael, da Associação de Professores de Matemática, conta num dos seus textos sobre o tema: “Ao longo das muitas sessões em que utilizei o origami, dentro ou fora da sala de aula, pude concluir que melhora significativamente a comunicação matemática. Essa melhoria nota-se bastante nos alunos dos primeiros anos de escolaridade”.
Já a professora de matemática e origamista polaca Krystyna Burczyk considera a dobragem, o papel e a matemática “um triângulo equilátero” que guia as suas obras. Aquando da sua exposição de origamis em Portugal, em 2018, Burczyk – que organizou e liderou durante dez anos o grupo de trabalho “Origami e Matemática” na Polónia – afirmou que “uma ideia de matemática é realizada pela dobragem no papel”.
Andreia Hall, professora de matemática da Universidade de Aveiro, foi mais longe. Perante a desmotivação e a falta de interesse que os alunos revelavam frequentemente nas aulas, criou um curso de formação para professores de matemática do ensino secundário, baseado na utilização das dobragens em papel para aplicação em sala de aula.
O origami tem o potencial de tornar a matemática uma disciplina mais atraente. Através da visualização e compreensão de conceitos geométricos, os alunos podem ver a transformação de uma folha de papel plana numa forma tridimensional e aprender sobre áreas, volumes, ângulos e simetria de uma maneira tangível. Ao combinar a criatividade artística do papel com a lógica matemática, o origami ajuda a entender esta disciplina exata de uma maneira mais positiva e inspiradora.
História e outros segredos
Para conhecer as origens do origami é preciso recuar até ao século VII, no Japão, onde se acredita que tenha sido introduzido por monges budistas que haviam trazido o papel da China. Originalmente, o papel era um luxo raro, e a prática do origami era reservada para cerimónias religiosas e rituais especiais.
Com o tempo, evoluiu para uma forma de expressão artística. E os artistas do origami começaram a criar modelos cada vez mais complexos e a desenvolver técnicas para dobrar papel de maneira precisa e elegante. A troca de modelos entre origamistas no mundo inteiro ajudou a expandir o horizonte desta arte.
Para muitos, além dos segredos matemáticos, o processo de dobragem do papel encerra outros significados e simbologias não evidentes, associadas à transformação pessoal e à superação de desafios. Cada dobra é um passo em direção a uma forma final, lembrando-nos que o caminho é tão importante quanto o ponto de chegada.