Quando se fala em polinização, pensamos logo em abelhas. Alargando um pouco, admitimos que insetos, de um modo geral, e também algumas aves, assumem essa função. Mas está na hora de fazer justiça aos mamíferos
A expressão inglesa “the birds and the bees” (“os passarinhos e as abelhas”, em tradução livre) refere-se às explicações dadas às crianças sobre as diferentes formas de reprodução das espécies. A metáfora vem da ideia de que os pássaros e as abelhas são os reis absolutos da polinização. Pois bem, enquanto mamíferos, temos uma reclamação a fazer.
Ao contrário do que se possa pensar, não é só às abelhas e aos pássaros que a natureza delega um papel ativo na polinização: os mamíferos não só têm uma palavra a dizer, como estão particularmente atentos ao assunto. Mas já lá vamos.
Antes de mais, importa saber do que falamos quando falamos de polinização. Trata-se do processo de transferência de pólen das anteras (a parte terminal do estame) de uma flor masculina para o estigma de uma flor feminina. Quando isto acontece, o gameta masculino, presente no grão do pólen, une-se com o gameta feminino do óvulo e dá origem à produção de sementes férteis.
Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), mais de 80 por cento de todas as espécies de plantas com flor são polinizadas por animais – é a chamada polinização biótica. Este eficiente “serviço de transporte” é recompensador para as duas partes: por um lado, as espécies polinizadas veem assegurada a sua continuação, através do serviço prestados pelas espécies polinizadoras; por outro, estas últimas são “pagas” com uma recompensa energética, dado o elevado teor nutricional do pólen.
Pequenos grandes apreciadores de pólen
Desengane-se, contudo, quem acredita que o mérito está todo na classe dos insetos e de alguns pássaros: em muitos ecossistemas, os mamíferos também assumem, com afinco, esta importante função de equilíbrio e de distribuição. As espécies de mamíferos polinizadores são inúmeras, mas há algo em comum entre elas: são (quase) sempre animais de pequeno porte.
Tome-se o exemplo dos lémures. Ao consumirem o doce néctar das flores, levam o pólen às costas, espalhando-o na planta seguinte com a ajuda do seu pelo. Da América Central, chega-nos um dos vários casos de morcegos que entram neste “jogo” no qual todos ganham: o Leptonycteris curasoae é um polinizador noturno, que, ao alimentar-se de frutas, néctar e pólen, contribui para a dispersão de sementes.
Mais a sul, o macaco-da-meia-noite, ou jupará, espécie endémica do Brasil, “rouba” uma página do manual de instruções do beija-flor, tirando partido da sua língua comprida para se alimentar do néctar das flores – mesmo daquelas que têm uma corola mais comprida e fechada.
Carnívoro e polinizador?
Como toda a regra precisa de uma exceção, em 2024 a revista New Scientist reportou a chegada de um novo mamífero polinizador, que não “cabe” na escala do “pequeno porte”: o lobo etíope. A ser validado pela comunidade científica, esta deverá ser a primeira espécie carnívora que também faz polinização. Isto porque, recentemente, o lobo etíope passou a incluir o néctar da planta Kniphofia nos seus hábitos alimentares, chegando a “visitar”, num só dia, mais de trinta exemplares. Um sinal de que a natureza continua a monitorizar atentamente as espécies, promovendo o desenvolvimento de novos hábitos, sempre que tal é benéfico e necessário.