A árvore como inspiração

4 de Abril 2024

As árvores influenciam-nos e inspiram-nos. Fazem parte do nosso imaginário coletivo, povoam a arte e fazem avançar a ciência. Mas há também aquelas memórias pessoais que vivem à sombra de uma árvore e são, quase sempre, histórias com raízes na nossa infância.

A nossa linguagem inclui várias metáforas inspiradas nas árvores: temos ideias que florescem e dão frutos; semeamos o que colhemos; pomos o pé em ramo verde; os nossos valores permanecem profundamente enraizados; e às vezes confundimos a árvore com a floresta.

Mas as árvores também inspiram ideias. Um dos exemplos mais notáveis inclui uma macieira, num pomar em Lincolnshire, Inglaterra. Terá sido ali que, em 1666, uma maçã caiu, levando um jovem chamado Isaac Newton a perguntar-se por que razão a maçã desce sempre de forma perpendicular ao chão, o que o levaria à formulação da sua teoria da gravitação universal.

E conduzem à iluminação espiritual: Siddhartha Gautama, o buda histórico, alcançou-a quando se sentou para meditar debaixo de uma árvore Bodhi – uma figueira originária da Índia. Ou, pelo contrário, conduzem à condenação eterna, caso da árvore do conhecimento do bem e do mal, da qual Eva colheu um simples fruto, desobedecendo às ordens de Deus e levando à expulsão do Homem do Paraíso.

Também podem induzir lembranças do passado. O que seria do clássico de Marcel Proust se o narrador não iniciasse a sua viagem pela memória de outros tempos, em “Em busca do tempo perdido”, depois de molhar o seu queque num chá feito de flores de tília?

E fazer-nos arrepiar perante a crueza de uma realidade que não vivemos, como quando Anne Frank nos fala do castanheiro do lado de fora do número 263 de Prinsengracht, em Amesterdão, que conseguia ver da janela e a ajudava a marcar as estações do ano.

Ou encher-nos de felicidade, com o desvelo com que o Principezinho retirava todas as manhãs as sementes dos imensos embondeiros do seu pequeno planeta B612, para que não crescessem demais e as suas raízes não destruíssem o que ele tanto amava.

São árvores que nos falam ao coração e que alimentam o nosso imaginário coletivo. Mas muitos de nós temos também, além destas, a nossa própria árvore da inspiração ou da memória. Árvores com as quais estabelecemos uma relação emocional, enraizada, tantas vezes, em antigas histórias de família que tiveram origem muito antes de nós.

Um pinheiro da minha idade

Pouco antes de Alexandre Marques nascer, o seu avô disse ao seu pai: “Devíamos plantar uma árvore”. Uma ideia que pareceu natural a todos, e, portanto, “assim se fez”, conta Alexandre.

A árvore eleita, um pinheiro manso, foi plantada à entrada da quinta da família. Hoje, com 48 anos, ali se mantém, firme, a dar as boas-vindas a quem chega. Alexandre, que atualmente mora nessa quinta, viu crescer este seu pinheiro, pelo qual, confessa, sente um carinho especial: “Ajudo sempre a apará-lo, a tratar dele, a fazer a manutenção da árvore.”

Sem filhos até agora, não pôs ainda de lado a ideia da paternidade. E sorri quando lhe perguntamos se plantaria uma árvore pelo nascimento de um filho. “E porque não? É uma tradição interessante, que não me importava nada de continuar.”

À sombra do castanheiro

A canícula que se faz sentir em Moura da Serra, no concelho de Arganil, no pico do verão, não é propícia a brincadeiras no exterior durante boa parte do dia. Mas era impensável para Rui Maia e os primos, que se encontravam todos na aldeia em tempo de férias, ficarem dentro de casa sossegados.

Assim, o enorme castanheiro que havia ali perto, e que tinha uma “escavação” no tronco suficientemente grande para uma criança entrar, com direito a buraco para espreitar para o outro lado, tornou-se o recreio oficial do verão. “Passávamos aí grandes tardes de agosto, a brincar, ou, quando o calor era muito, apenas sentados a conversar”, conta Rui. “Era o local perfeito, porque o castanheiro dava-nos sombra e, além disso, havia ali perto uma fonte de água fresca que vinha mesmo a calhar. Já a minha mãe dizia que, em criança, brincava naquele castanheiro.”

Hoje, aos 46 anos, Rui Maia continua a visitar Moura da Serra. O castanheiro já não existe, mas a sua memória continuará sempre a acompanhar as tardes de calor na aldeia.

Eucaliptos que refrescam memórias

O aroma das folhas de eucalipto tem o dom de acordar as memórias de infância de Rita Magalhães. Aquela fragância é uma viagem aos tempos em que, na Mata de Benfica, passava longas tardes com o seu pai, António, a desenhar a natureza à sua volta.

“Só havia uma coisa melhor do que a sombra daqueles eucaliptos nos dias de calor – era o cheiro, que parecia refrescar o ar”, recorda Rita, enquanto a memória vai mergulhando nos sentidos. Aquilo que perdura são os momentos de afeto, considera: “O meu pai desenhava e pintava nos tempos livres, e aquelas idas ao Parque Silva Porto eram autênticas aulas de criação artística”.

Rita tem pena de não ter guardado testemunhos tangíveis desse tempo, mas lembra-se de seguir os traços verticais e vincados ao longo dos troncos dos vetustos eucaliptos. “As folhas que o meu pai desenhava pareciam traços soltos e leves… para mim eram o maior desafio!”, recorda ao recuar às tardes passadas à sombra dos eucaliptos. Hoje, sabe que aquele tempo representou uma aprendizagem que ultrapassou muito a dimensão artística. E essa herança, com cheiro a eucalipto, só a ela pertence.