A sociedade espera certezas rápidas e absolutas. mas a ciência apenas pode dar o melhor conhecimento acerca dos fenómenos, permitindo reduzir a incerteza. Na opinião do físico Carlos Fiolhais, haverá sempre margem para saber mais.
Certo é aquilo que não levanta dúvidas, que podemos designar por verdadeiro ou real. Incerto é aquilo que levanta dúvidas. A maior parte das pessoas associa a ciência à certeza. Quando se diz que a ciência tem isto ou aquilo por certo, tal significa que isto ou aquilo estão bem estabelecidos. De facto, a ciência, mais do que alcançar certezas, o que faz é reduzir as incertezas. Graças ao método científico, sabemos hoje bem certas coisas (como “a Terra anda à volta do Sol” ou a “a vida na Terra tem um código genético comum”), mas não sabemos outras (por exemplo, “como surgiu a vida na Terra?” ou “há vida noutros planetas?”). A história da ciência mostra que, quando respondemos a uma questão, logo surgem várias outras. O conhecimento humano sobre o mundo parece não ter um fim à vista.
Os seres humanos aspiram a ter certezas. Mas o astrofísico norte-americano Carl Sagan advertiu em Um Mundo Infestado de Demónios: “Os seres humanos podem ansiar por certezas absolutas e aspirar a elas; podem pretender, como os adeptos de certas religiões, tê-las alcançado. Porém, a história da ciência – de longe a pretensão ao conhecimento mais bem-sucedida acessível ao homem – ensina-nos que o máximo que podemos esperar são melhoramentos sucessivos da nossa compreensão, a aprendizagem com os nossos erros, uma abordagem assimptótica do Universo, mas com a limitação de sabermos que a certeza absoluta nos escapará sempre.”
A discussão científica serve para reduzir a incerteza. É dela que nasce a luz: cedo ou tarde, haverá respostas melhores do que as anteriores por aplicação do método científico, que se baseia na observação, na experimentação e no raciocínio matemático. O público espera, muitas vezes, que as ciências alcancem rapidamente certezas (como mostram as questões da covid-19 e do aquecimento global), mas a ciência apenas pode dar um melhor conhecimento. Haverá sempre margem para saber mais. Havendo conhecimento mais certo do que outro, os cientistas devem-se abster de dar certezas absolutas. As leis da Natureza são descrições gerais do funcionamento do mundo, mas elas poderão ser mudadas se o mundo se revelar diferente do que supúnhamos. Claro que nunca vamos mudar tudo aquilo que sabemos – a ciência construiu um edifício sólido –, mas podemos ter de mudar um pouco do que julgávamos saber para acomodar uma descoberta nova.
O certo distingue-se do incerto, pela correspondência à realidade. Falamos de prova quando verificamos essa correspondência. Através da prova, formam-se consensos na comunidade científica, que são transmitidos a todos (por exemplo: “a covid-19 deve-se a um vírus novo” ou “o aquecimento global deve-se a emissões de CO2 de origem humana”). Uma prova tem de ser suficientemente forte para poder ser aceite. Mas poderão surgir elementos adicionais que levem a rever uma certa conclusão. A ciência tem sempre de ser fiel à realidade, que é o “Juiz Supremo”.
Para além do seu significado genérico, a palavra “incerteza” é usada, com significados específicos, em diversas áreas científicas, como a matemática, a física, a química, a biologia, a psicologia, etc. Em física e química, ditas ciências exactas, associa-se o termo incerteza ao grau de precisão de medidas. Quando se realiza uma medida de uma grandeza físico-química, existe sempre uma incerteza: há erros, quer ocasionais e inevitáveis, quer sistemáticos e evitáveis ou, pelo menos, minimizáveis. Tem, por isso, de ser realizado um conjunto de medidas em vez de apenas uma. No tratamento dos dados recorre-se à estatística, disciplina relacionada com o conceito de probabilidade. Esta foi introduzida no século XVII para descrever jogos de azar, em que há situações imprevisíveis devidas, por exemplo, ao lançamento de dados.
Quando a ciência tratou, no século XIX, de descrever sistemas complexos, como os gases (formados por muitas partículas em incessante movimento), logo percebeu que tinha de recorrer à probabilidade e à estatística. As afirmações que formula nesse domínio são incertas, sendo a probabilidade um modo de descrever a incerteza. Hoje sabemos que no domínio dos astros também pode haver grande incerteza, devido ao fenómeno do “caos”: pequenas diferenças nas condições iniciais podem originar situações finais muito diferentes.
Na física quântica, surgida do século XX para descrever a realidade microscópica, a incerteza está incorporada de um modo mais fundamental. Verificou-se que, nesse domínio, é válido o “princípio de incerteza”, segundo o qual não podemos saber simultaneamente com exactidão a posição e a velocidade de uma partícula. Elas só podem ser descritas de uma maneira probabilística. Einstein reagiu com uma famosa frase: “Deus não joga aos dados”, isto é, para ele, a realidade não podia ser probabilística. No entanto, a teoria quântica funciona: ela explica as ligações químicas, estando assim na base das ciências naturais.
Em suma: a incerteza é uma constante nas ciências, incluindo as ciências exactas.