Os jovens estão a “reconectar-se” com os livros. E a trocar os ecrãs pelo papel. Que ajuda a parar, melhora a aprendizagem e promove a concentração e o pensamento abstrato.
Numa altura em que a tecnologia impera e o digital domina hábitos e políticas, a surpresa acontece: há mais jovens a ler. E em papel. Uma tendência que vem provar a eterna atração por este material e profetizar o seu longo futuro.
O anúncio “oficial” da tendência chegou por ocasião da Feira do Livro de Lisboa, no passado mês de junho, com o presidente da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), Pedro Sobral, a revelar a existência de indícios de que “as pessoas estão a reconectar-se à leitura”, em particular na faixa entre os 18 e os 30 anos; e a comissária do Plano Nacional de Leitura (PNL), Regina Duarte, a reconhecer que os jovens “estão a ler mais” e a procurar “uma alternativa ao ecrã”: “Gostam de ler, gostam de ter o livro como objeto e ler o livro em papel. Gostam do tempo de leitura”.
Numa declaração conjunta, a comissária e a subcomissária do PNL, Regina Duarte e Andreia Brites, confirmam à My Planet esta tendência. “É factual que o mercado do livro cresceu desde o final da pandemia”, referem. “Há tendências, nomeadamente no que concerne o público entre os 15 e os 34 anos, de maiores hábitos de leitura”, sublinham, adiantando que “assistimos a fenómenos de agregação comunitária, como os canais dedicados aos livros nas redes sociais, ou a um aumento da oferta de títulos em áreas de interesse específicas”.
Por outro lado, prosseguem, “multiplicam-se fenómenos de vendas de livros juvenis ou lidos pelo público mais jovem”, garantindo que “exemplos não faltam e não são de hoje”: “Começando pela saga Harry Potter, que já é considerada um clássico da literatura, e avançando para Crepúsculo, After, Cherub, ou segmentos como a Manga e o romance jovem adulto, não há como negar que, entre os adolescentes e jovens, há quem leia muito, com dedicação e entusiasmo”. Alem disso, “e sobretudo para demonstrar o valor do livro”, podemos referir ainda as adaptações de videojogos e séries juvenis a livros.
O resultado de um longo trabalho
Sara Rodi, autora de livros infantis e juvenis, confirma este interesse crescente pelos livros por parte dos mais jovens, destacando os fatores impulsionadores do fenómeno. “Não o vejo propriamente como uma tendência, mas antes como o resultado de um trabalho de promoção da leitura em muitas frentes”, diz, adiantando que “projetos como o PNL, as muitas iniciativas promovidas por câmaras e bibliotecas municipais, livrarias, editoras e museus, e o empenho de muitos educadores, professores e auxiliares, em contexto de sala de aula ou na biblioteca escolar, têm dado frutos”.
Por outro lado, acrescenta, “os pais também estão mais sensibilizados para a importância da leitura nos primeiros anos de vida”. O problema, avisa, “começa mais tarde, no início da pré-adolescência, altura em que, nas escolas, os alunos passam a lidar com um conjunto maior de disciplinas e professores – uma maior dispersão – e o investimento na promoção da leitura deixa de ser tão notório”.
A par disto, é também nestas idades que surgem outros motivos de (distr)atração. “Os alunos começam a ter telemóvel, computador, a ver séries… o que rouba tempo e foco para a leitura, e leva a uma participação mais reduzida em iniciativas ligadas ao livro”. Por outro lado, reconhece Sara Rodi, “há também menos oferta de livros para esta faixa etária (se se lê menos, as editoras também investem menos), e os pais e os professores sentem uma dificuldade muito maior em cativar os filhos/alunos para a leitura”. Por isso, defende, “temos de ser mais criativos, quer nas histórias que criamos, quer na abordagem que fazemos aos livros e à leitura”, lembrando que “para a faixa etária dos adolescentes mais velhos (a partir do secundário, sobretudo), têm surgido um conjunto de influenciadores digitais e muitas iniciativas – como clubes de leitura originais – que têm transformado a leitura numa atividade mais apetecível”.