A magia dos pirilampos está em perigo

9 de Junho 2022

O excesso de luz artificial noturna é uma das ameaças que está a por em risco os pirilampos. Mas há locais onde é possível observá-los e essa tornou-se mesmo uma proposta turística. Em Portugal, junho é o melhor mês para os ver brilhar.

Estão entre os insetos mais carismáticos do mundo e existem em todos os continentes, exceto na Antártida. Os pirilampos tornaram-se símbolos de criatividade, inspiração e autodescoberta e sempre foram fascinantes para o Homem. Fascínio que levou tanto à criação de histórias, lendas e mitos, como a atividades mais invasivas e destrutivas, incluindo caçá-los. A verdade é que o charme luminoso dos pirilampos fez com que nunca tenham passado despercebidos.

Existem mais de duas mil espécies em todo o mundo, tendo sido identificadas dez em Portugal.

Das 128 espécies de pirilampos registadas na Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), 11% estão ameaçadas, dividindo-se entre as classificações de Criticamente em Perigo, Em Perigo e Vulnerável. Mas para 55% destas espécies não existem dados suficientes, o que revela uma grande necessidade de implementar mais programas de monitorização.

Na Lista Vermelha dos Invertebrados de Portugal, existem três espécies de pirilampos a ser avaliadas:  o Pirilampo-preto (Phosphaenus hemipterus), o Pirilampo-pequeno-de-lunetas (Lamprohiza mulsantii) e o Pirilampo-grande-de-lunetas (Lamprohiza paulinoi).

Destruição de habitats e excesso de iluminação artificial

Um grande estudo publicado em 2020 na revista BioScience, intitulado “Uma perspetiva global sobre as ameaças de extinção dos pirilampos”, apurou, por ordem de impacto, as ameaças que têm vindo a pôr em risco as populações destas espécies. A primeira é a perda de habitats, o que não foi surpreendente para os autores, já que é o que tem acontecido a tantas espécies, e não apenas de insetos. Por exemplo, um pirilampo da Malásia (Pteroptyx tener), famoso pela sua forma sincronizada de “piscar”, sofreu um grande declínio nas suas populações porque os mangais, o seu habitat natural, estão a ser destruídos para dar lugar a plantações de óleo de palma e explorações de aquicultura.

A segunda maior ameaça foi mais inesperada, até para os investigadores, pela dimensão do seu impacto: a luz artificial noturna. “Além de perturbar os biorritmos naturais – incluindo o nosso –, a poluição luminosa desorganiza os rituais de acasalamento dos pirilampos”, explicou Avalon Owens, coautora do estudo. Esta luz “inclui tanto a iluminação direta que afeta uma área localizada (…), como o clarão no céu, aquela iluminação mais difusa, que pode exceder os níveis da lua cheia e espalhar a luz muito além dos centros urbanos”.

A iluminação artificial das cidades, mais intensa do que a luz dos pirilampos, anula ou enfraquece o seu brilho noturno, condicionando o processo reprodutivo. “Para incentivar o acasalamento bem-sucedido dos pirilampos, que depende de sinais bioluminescentes, precisamos de reduzir a iluminação artificial noturna nos seus habitats e ao seu redor”, pode ler-se no mesmo trabalho.

A poluição química, pelos pesticidas usados na agricultura, vem em terceiro lugar na lista das maiores ameaças aos pirilampos. Uma lista que é longa e inclui ainda a poluição da água, o turismo, as espécies invasoras e as alterações climáticas.

Como e por que brilham?

A luz emitida pelos pirilampos chama-se bioluminescência, nome que se dá a todos os fenómenos em que uma reação biológica produz luz. A luciferina, uma molécula existente no organismo dos pirilampos, em contacto com oxigénio e sob o efeito da enzima luciferase, faz “acender” a luz que estes insetos emitem. Ou seja, dá-se a transformação da energia química em energia luminosa.

O mais extraordinário é que eles conseguem controlar essa luz, fazendo-a acender e apagar a um ritmo distintivo, próprio da sua espécie. Um verdadeiro código de sinais de luzes que permite que as fêmeas reconheçam um macho da sua espécie e pisquem de volta, demonstrando a sua disponibilidade para o acasalamento. A bioluminescência é assim determinante para a reprodução e continuação destas espécies.

Especialistas pensam que, para além do acasalamento, a luz é também usada como alerta para a presença de predadores e para defesa do território.

A observação de pirilampos

Estima-se que nos últimos anos mais de um milhão de turistas tenha viajado anualmente para locais específicos, em pelo menos 12 países, onde é possível fazer observação noturna de pirilampos. O número é avançado no estudo “Turismo de pirilampos: promover um fenómeno global rumo a um futuro mais brilhante”, de 2021, realizado na Universidade de Tufts, nos EUA. Apesar dos benefícios económicos para as comunidades e da crescente consciencialização ecológica, estas atividades podem ter um impacto negativo se não houver o cuidado de preservação dos habitats.

Em países como o México, a Índia, a Malásia, a Tailândia ou os Estados Unidos, este tipo de turismo aumentou de forma muito rápida e pode tornar-se uma ameaça, quer pela construção de infraestruturas que “invadem” os habitats, quer pela poluição luminosa e também sonora. “As pessoas envolvidas nestas iniciativas por vezes não se apercebem que há um comportamento certo para que não se prejudique a eclosão de uma próxima geração de pirilampos”, afirma a coautora do estudo Lynn Faust.

Na Europa, este tipo de turismo assume “uma escala consideravelmente menor”, segundo o mesmo estudo. O Parque Biológico de Gaia, com as suas Noites dos Pirilampos, organizadas há mais de vinte anos, é um dos exemplos indicados.

Etiqueta para observação de pirilampos

Se vai observar pirilampos, procure fazê-lo sempre com todos os cuidados, de forma a minimizar o impacto da sua visita. O estudo “Turismo de pirilampos: promover um fenómeno global rumo a um futuro mais brilhante” enumera os pontos a ter em conta:

  • Não usar nenhuma luz artificial (nem lanternas, nem telemóveis, nem sapatilhas com luzes)
  • Não usar máquinas fotográficas com flash
  • Permanecer sempre no percurso previsto
  • Falar em voz baixa
  • Não capturar os pirilampos nem alterar de nenhuma forma os locais onde se encontram
  • Não fumar, nem usar perfumes
  • Se houver necessidade de usar repelente, aplicá-lo antes da chegada ao local

Junho: mês dos pirilampos

Junho é o mês ideal para a observação de pirilampos. As Noites dos Pirilampos regressam este ano ao Parque Biológico de Gaia e decorrem até ao dia 28. A inscrição prévia é necessária.

Também este mês, entre os dias 15 e 18, o Parque vai receber o Simpósio Internacional de Pirilampos, com a participação de especialistas de mais de vinte países – um importante encontro para troca de experiências, bem como de novos dados e conhecimentos.

Onde vivem e o que comem?

Normalmente preferem zonas quentes e húmidas, onde haja água por perto – margens de rios, pastagens, florestas, campos agrícolas ou parques urbanos com lagos ou charcos. As larvas podem ser aquáticas, semiaquáticas ou terrestres e alimentam-se de caracóis, minhocas e outros organismos de corpo mole.

Um pirilampo pode viver entre um a três anos. A maior parte desse tempo corresponde à fase larvar. Depois da metamorfose, a fase adulta dura apenas três a quatro semanas, dedicadas sobretudo ao acasalamento.