ADN ambiental: a revolução da genética

19 de Agosto 2024

Decifrar os vestígios de ADN que todos os seres vivos deixam no ambiente permite uma visão microscópica da biodiversidade, determinante no contexto atual de crise climática.

Tal como os investigadores forenses procuram, no cenário de um crime, as pistas que possam denunciar o culpado, os cientistas que se dedicam a investigar o ADN ambiental “andam atrás” do material genético das espécies que habitam, ou que possam ter passado, por determinado ecossistema.

“Todos os seres vivos deixam vestígios no ambiente”, afirma António Mendes, biólogo molecular que trabalha na SGS – Global Biosciences Center (Centro Global de Biociências). “Esses vestígios vão desde células mortas a pelos, urina, excrementos e outros materiais biológicos, às vezes não visíveis, que encerram informação genética”, explica. “Depois de recolhermos amostras de solo, água e ar de um habitat, podemos identificar todas as espécies que o compõem ou que, em algum momento, passaram por aquela zona”, revela o especialista.

Esta área de estudos começou a desenvolver-se há cerca de duas décadas, a partir não só da própria ciência forense, mas também da antropologia, que permitiu comprovar a existência de ADN em certos achados pré-históricos. Ou seja, os vestígios de ADN têm a capacidade de resistir no ambiente, em determinadas circunstâncias, durante anos, décadas, séculos e até milénios.

 

“Gigantescas bibliotecas da vida na Terra”

Recentemente, as técnicas através das quais é possível fazer a leitura do ADN ambiental tornaram-se muito mais avançadas e acessíveis, o que abriu o seu leque de aplicações e representa o início daquilo que pode chamar-se uma revolução genética. “O que veio tornar tudo mais viável foi, em primeiro lugar, a capacidade de sequenciação de ADN, que aumentou de forma extraordinária nos últimos anos”, refere António Mendes. “Podemos ter centenas de amostras lidas em pouco tempo com os atuais sistemas de sequenciação”, acrescenta.

Mas outro passo fundamental foi o desenvolvimento de bases de dados, que permitem identificar o material recolhido com uma facilidade que há pouco tempo era impensável. António Mendes explica que já nem é necessário fazer toda a sequenciação: “Basta-nos ter pequenas sequências que funcionam como identificadores de determinada espécie e que, ao serem inseridas nas bases de dados, nos indicam que espécie é aquela. São como gigantescas bibliotecas da vida na Terra”.

Para que pode servir toda esta informação?

No atual contexto de crise climática, e de procura de respostas para a enfrentar, um aspeto primordial é conhecer a biodiversidade e perceber como está a ser afetada. O ADN ambiental e as técnicas que permitem decifrá-lo podem dar informação preciosa no planeamento de estratégias e respostas. “Muitas espécies não estão a conseguir adaptar-se às novas condições que as alterações climáticas impõem aos ecossistemas. A pressão é cada vez maior e muitas estão a desaparecer”, contextualiza António Mendes. “Para garantirmos a nossa própria sobrevivência”, considera, “um passo essencial é garantir a sobrevivência das outras espécies da qual depende o equilíbrio dos ecossistemas. Temos de conseguir mapear com rigor a biodiversidade e avaliar o impacto que a ação humana tem nos habitats. O ADN ambiental dá-nos uma métrica essencial para percebermos o nosso impacto e ajustarmos o nosso comportamento”.

Será também incontornável, considera o especialista, no desenvolvimento do próximo grande passo global que os países irão dar no sentido da sustentabilidade e da conservação da biodiversidade. “São os novos mercados da biodiversidade que já estão a ser estudados e implementados em alguns países, como a Indonésia ou o Chile. Tal como hoje é normal, e obrigatório, as empresas quantificarem o seu impacto ao nível das emissões de carbono, daqui a poucos anos terão de fazê-lo também em relação à biodiversidade. E, nesse momento, a avaliação rigorosa que o ADN ambiental permite será uma realidade comum. Nesse sentido, trata-se de uma abordagem revolucionária. A revolução da genética está a acontecer e a humanidade depende dela”.

“Para garantirmos a nossa própria sobrevivência, temos de garantir a sobrevivência das outras espécies, da qual depende o equilíbrio dos ecossistemas. O ADN ambiental dá-nos uma métrica essencial para percebermos o nosso impacto e ajustarmos o nosso comportamento”.

António Mendes, biólogo molecular