O degelo no Ártico, impulsionado pelo aquecimento global, avança a um ritmo alarmante. E está a pôr em risco todo o equilíbrio de ecossistemas que dependem do frio. As consequências começam na biodiversidade local, mas podem atingir o planeta inteiro.
Se antes se previa que o Oceano Ártico ficasse praticamente sem gelo na década de 2030, um novo estudo publicado na revista Nature Communications alerta que o gelo poderá atingir um nível historicamente baixo já em 2027, ficando reduzido a menos de um milhão de quilómetros quadrados pela primeira vez. A partir desse ponto, a recuperação será cada vez mais difícil nos anos seguintes.
Liderado por duas cientistas – Céline Heuzé, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e Alexandra Jahn, da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos da América –, o estudo revela que o desaparecimento do gelo marinho do Ártico já não depende das emissões de dióxido de carbono ou de outros fatores externos, mas sim da sequência de eventos meteorológicos certos. Basta a combinação de um outono quente, seguido de um inverno e primavera também mais quentes, e, por fim, uma tempestade de verão, para que o gelo, já enfraquecido, desapareça quase por completo.
Considera-se que o Ártico estará “sem gelo” quando a sua cobertura ficar abaixo de um milhão de quilómetros quadrados – o que significa que o gelo remanescente estará demasiado disperso para desempenhar o seu papel ecológico e climático. Para se ter uma ideia da dimensão da perda, em setembro de 1979, a área mínima de gelo era de cerca de 6,9 milhões de quilómetros quadrados. Já em 2022, ano a que se referem os dados mais recentes, o gelo marinho atingia um mínimo de 3,387 milhões de quilómetros quadrados. A cada década, a área de gelo no Ártico reduz-se 12%, uma tendência impulsionada pelo aquecimento global resultante das emissões humanas de Gases com Efeito de Estufa (GEE).
Ursos polares: uma entre milhares de espécies em risco
Os ecossistemas do Ártico, e as espécies que deles fazem parte, dependem diretamente do gelo marinho. Segundo Céline Heuzé, o desaparecimento desta camada afeta desde algas microscópicas, que crescem na parte inferior do gelo, até bacalhaus polares, que utilizam a água congelada para se esconderem de predadores.
Os ursos polares, ícones desta paisagem gelada, são um dos exemplos mais mediáticos. Estes animais utilizam o gelo como plataforma de caça, essencial para capturar focas – a base da sua dieta rica em calorias. Com a redução do gelo, os ursos são forçados a permanecer em terra durante períodos mais longos, gastando energia na busca de alternativas insuficientes, como frutos silvestres, vegetação, pássaros e carcaças de animais. Sem a sua principal fonte de alimento, a sobrevivência da espécie torna-se cada vez mais difícil.
Mas não estão sozinhos. De acordo com a organização intergovernamental Arctic Council, o Ártico é o lar de mais de 21 mil espécies conhecidas de mamíferos, aves, peixes, invertebrados, plantas, fungos e microrganismos adaptados ao frio extremo. O degelo coloca em risco todo este ecossistema, levando à extinção de espécies que dependem deste ambiente único para sobreviver.
Propagação de doenças e libertação de carbono para a atmosfera
A camada de gelo do Ártico não é apenas um reservatório de água congelada – é também um arquivo natural que armazena bactérias e vírus antigos, potencialmente perigosos. Em janeiro de 2025, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) reforçou alertas anteriores sobre o risco de libertação massiva destes microrganismos, há séculos aprisionados no gelo.
Além do risco de novas doenças, o aquecimento do Ártico está a libertar enormes quantidades de carbono para a atmosfera. O solo gelado da região contém grandes reservas de matéria orgânica que, ao descongelar, começa a decompor-se, libertando dióxido de carbono (CO₂) e metano (CH₄) – dois dos principais GEE responsáveis pelo aquecimento global. Este fenómeno cria um círculo vicioso, em que o próprio degelo contribui para ainda mais aquecimento, acelerando as mudanças climáticas.
O colapso do gelo marinho do Ártico não é um problema distante – é um alerta urgente sobre o futuro do planeta. O que acontece no topo do mundo pode ter repercussões a uma escala global, reforçando a necessidade de ação imediata para mitigar os impactos da crise climática.