O Fórum do Eucalipto reuniu mais de duas dezenas de especialistas, nacionais e internacionais, que partilharam o seu ponto de vista único sobre a floresta de eucalipto e a forma como a sociedade a perceciona.
A The Navigator Company, mentora do projeto My Planet, promoveu no passado dia 28, em Lisboa, uma sessão de discussão pública, alargada a diferentes setores da sociedade, sobre as florestas plantadas de eucalipto e as perceções que sobre ela existem, muitas vezes bem distantes do conhecimento científico atual. Num programa vasto, que decorreu ao longo de todo o dia e teve o jornal Expresso como media partner, o Fórum do Eucalipto contou com uma audiência de mais de 250 pessoas. Quem não pôde estar presente, teve oportunidade de assistir via streaming.
João Lé, Administrador Executivo da The Navigator Company, abriu o Fórum com um convite à discussão de ideias: “Uma discussão que identifica os constrangimentos que limitam o potencial das florestas plantadas, mas que pretende encontrar, através do diálogo, as soluções e as oportunidades. Uma discussão que só é possível realizar com seriedade se for fundamentada num corpo sólido de conhecimento”, disse.
Seguiu-se a intervenção da eurodeputada Lídia Pereira, que se referiu ao Green Deal europeu como “uma iniciativa ambiciosa, que visa transformar a União Europeia na primeira região climaticamente neutra até 2050”, e às florestas como “uma componente crucial deste esforço”. Nomeadamente as florestas de produção, “que oferecem várias vantagens no combate às alterações climáticas”, porque são “geralmente geridas de forma muito mais cuidada, o que resulta em taxas de crescimento mais rápidas e, portanto, maior sequestro de carbono no mesmo período”. Além disso, continuou, “a madeira produzida pode ser usada para substituir materiais mais intensivos em carbono” e “para a bioenergia, contribuindo ainda mais para a redução das emissões de carbono”.
Inovação a partir da floresta
Na primeira mesa-redonda do Fórum, sob o tema “Inovação, da floresta aos bioprodutos”, desvendaram-se os caminhos que estão a transformar a matéria-prima florestal, bem como subprodutos dos processos industriais de produção de pasta e papel, em novos bioprodutos. Manuela Pintado, da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, salientou a importância de dar viabilidade económica a estes novos produtos que resultam da floresta: “A investigação tem de ser acompanhada por um modelo de negócio.”
Carlos Fonseca, do ForestWise, revelou como este laboratório colaborativo – que conta com a The Navigator Company como associada – “tem tido uma postura mais empresarial do que académica”. E acrescentou: “Isso tem sido um grande contributo para o nosso crescimento. Estamos focados na investigação aplicada.”
A grande diversidade de produtos que podem nascer da floresta de eucalipto foi destacada por Gabriel Sousa, da Altri, empresa que tem vindo, tal como a Navigator, a investir nesta área. A título de exemplo, explica que estão a desenvolver fibras de base celulósica que podem vir a substituir o algodão, cuja produção tem forte impacto ambiental. “Para produzir uma tonelada de algodão precisamos, aproximadamente, de um hectare de terreno, enquanto para produzir uma fibra equivalente ao algodão a partir de madeira de eucalipto precisamos de cinco vezes menos área”, revelou.
Christoph Weber, especialista em efuels e biocombustíveis, explicou que “os resíduos da floresta são um tesouro” a partir do qual será também possível obter alternativas aos combustíveis fósseis: “Uma fonte de CO2 é mais do que apenas lixo. Uma árvore é mais do que apenas uma fonte de papel. A ideia é olhar para aquilo que comumente chamamos de lixo como um tesouro, como um ativo.”
Soluções inovadoras estão também a ser desenvolvidas na área do packaging, permitindo a substituição dos plásticos de uso único. Susana Ferreira, da Herdade do Vale da Rosa, trouxe ao Fórum do Eucalipto a sua experiência nesta área. As uvas Vale da Rosa eram distribuídas em embalagens de plástico – quatro milhões de unidades por ano. “Em 2023, eliminámos por completo o plástico, recorrendo a cuvetes de papel seladas com um filme biodegradável”, explicou. “Conseguimos, assim, uma poupança de 80 toneladas de plástico”, revelou.
Os escritores, o papel e a floresta
O escritor e biólogo Mia Couto, os escritores e jornalistas Miguel Esteves Cardoso e José Eduardo Agualusa, e o físico e ensaísta Carlos Fiolhais, juntaram-se para uma animada conversa sobre papel, floresta e natureza. Miguel Esteves Cardoso, auto confessado “maluquinho do papel”, falou também do digital para manifestar que não os considera opostos: “Para quê escolher um ou outro, se podemos acumular?”, interrogou-se. Quanto aos livros, e referindo-se ao espaço que ocupam, brincou: “Os livros são um problema, mas um problema maravilhoso”.
“Para mim, um livro em papel tem outro sabor”, disse Mia Couto, explicando que “o papel já traz uma história, não é um objeto inanimado”. Mencionando a relação que mantém com a natureza, referiu que esta não é algo fora de nós, mas una connosco, e que se sente na floresta como num lugar sagrado: “Eu visito a floresta como se fosse uma igreja”.
Carlos Fiolhais frisou a sua paixão por livros e por papel, com frases como “a biblioteca é uma espécie de cérebro fora de nós”, “os livros guardam a nossa memória, a nossa identidade” e “estou convencido de que o papel é eterno”. Fazendo a ligação entre natureza e cultura, referiu que olha para uma árvore e vê livros e que encara as florestas como “bibliotecas latentes”.
Já José Eduardo Agualusa frisou a sua relação de afeto com o papel e com o livro físico: “Acho que quem gosta muito de ler, gosta de ler em papel. Também leio em suporte digital, mas não é a mesma coisa, perde-se muito”. O escritor angolano surpreendeu ainda ao revelar a sua primeira grande paixão, aos nove anos: “Foi por um abacateiro, uma árvore enorme, que existia no quintal da minha casa”.
A importância da Gestão Ativa
A necessidade de criar formas de rentabilização da floresta, para induzir o interesse pela sua gestão, foi uma ideia consensual na mesa-redonda sobre “Gestão Ativa da Floresta”. Carlos Lobo, Founding Partner da Lobo, Carmona & Associados, apontou a ausência do proprietário como o principal obstáculo à concretização deste objetivo. “Só podemos resolver os problemas do século XXI depois de resolver os do século XIX”, alertou. Como tal, uma das prioridades do Estado deveria ser, na sua opinião, o conhecimento do território, já que, em Portugal, a propriedade dos terrenos só está identificada em pouco mais de um terço dos casos.
Luciano Lourenço, Professor catedrático jubilado, corrobora esta ideia: “Saber quem são os donos é o primeiro passo. E a seguir, é necessário agrupá-los.” Este é um trabalho que implica ir para o terreno e envolver os proprietários, um esforço para o qual, considera, o Estado não tem meios. “No passado, temos exemplos de como os proprietários se juntaram, desde que houvesse alguém a dialogar com eles” acrescenta.
Jacob Keiser, investigador da Universidade de Aveiro, destacou a importância da eficiência da floresta. Nesse sentido, é da opinião que seria preferível utilizar a expressão “gestão eficiente” em vez de “gestão ativa”, pois é essa eficiência que importa realmente. Cada floresta tem o seu objetivo. Mas, mesmo com objetivos diferentes, tanto as florestas de conservação e como as de produção devem ser eficientes, considerou.
Susana Brígido, da 2B Forest, acrescentou a importância da rentabilidade, explicando como faz a mobilização dos pequenos proprietários para a gestão ativa através de parcerias com associações e empresas locais e por contactos diretos. É preciso “mostrar que o objetivo dessa gestão é aumentar a rentabilidade das propriedades”, considera. “A rentabilidade é o que leva um produtor privado a fazer a gestão do seu terreno”, concluiu.
Como é lá fora?
Esta foi a pergunta que deu o mote para uma mesa-redonda com quatro participantes estrangeiros, na qual ficou bem claro que as perceções pouco fundamentadas em relação às florestas plantadas não são exclusivas de Portugal.
Jori Ringman, diretor-geral da Confederação Europeia das Indústrias do Papel (CEPI), detalhou uma série de perceções comuns na opinião pública de inúmeros países, no que toca à ideia de floresta e à sua proteção. O responsável alertou para a “necessidade de melhor comunicar a floresta, de forma que as pessoas conheçam a sua capacidade de inovação e o seu imenso potencial”.
Já José Carlos Fonseca, presidente da IBÁ – Indústria Brasileira de Árvores, lembrou que 76% da atividade da IBÁ está sustentada no eucalipto e deu o exemplo de um preconceito sobre esta espécie que também acontece no Brasil: “Existe a ideia de que a plantação de eucalipto degrada o solo. Mas se tal acontecesse, este setor teria de ser nómada! Quando estamos nas mesmas áreas há 60 ou 70 anos”.
Miguel Boo, jornalista e investigador galego, apresentou em 2012 a sua tese de doutoramento, intitulada “La mala prensa del eucalipto”, sobre as perceções não fundamentadas sobre o eucalipto, apresentadas na imprensa espanhola como factos ao longo de 35 anos. Doze anos depois, confirmou no Fórum do Eucalipto que pouco ou nada mudou na forma como a espécie é encarada.
Para o sueco Peter Holmgren, da Future Vistas Inc., as pessoas têm uma ideia da floresta que é, frequentemente, “como se estivessem a olhar para um quadro e só vissem a moldura que está à volta”. Mas, na sua opinião, é importante comunicar melhor o impacto positivo que a floresta tem fora da floresta – “como os seus benefícios ao nível das alterações climáticas”, acrescentou.
Educar com bases sólidas
Na mesa-redonda sobre “Educação, uma abordagem baseada no conhecimento”, debateu-se a importância do ensino na construção de uma nova visão sobre a floresta. “Nunca, como hoje, a escola lidou com conteúdos tão complexos e nunca houve tanta disponibilidade de informação”, começou por afirmar Maria João Silva, docente na Escola Superior de Educação de Lisboa. Neste contexto, mais importante se torna “o grande foco que pomos no desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos”, sublinhou.
Sobre a questão de alguns manuais escolares conterem mensagens sem fundamento científico acerca do eucalipto, a docente desvalorizou, colocando a ênfase no papel do professor: “Seria possível ter uma Educação de qualidade sem manuais escolares”. Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, entendeu a afirmação como um questionamento do suporte papel e alertou para a sua importância, amplamente comprovada, em contexto de aprendizagem. A Suécia, “que optou por substituí-lo pelo digital, está a reverter essa decisão”, recordou, devido ao que se perdeu do “ponto de vista pedagógico, de resultados e de engagement”. Pedro Sobral alertou ainda para as decisões políticas que condicionam o sistema educativo, como o facto de os manuais escolares terem um ciclo de vida de seis anos.
Sílvia Castro, da Direção-Geral de Educação, destacou o trabalho que está a ser feito ao nível da certificação dos manuais e garantiu que “a sustentabilidade é um tema transversal nas escolas, abordado em várias disciplinas”, tal como todos os que fazem parte da Educação para a Cidadania.
Defendendo que “aprender deve ser divertido”, Sandra Soares, da Ciência Viva, revelou que, ao contrário dos manuais escolares, onde o conteúdo fica estático, “nos centros Ciência Viva, contactamos em tempo real com quem produz conhecimento científico e levamos esse conhecimento à comunidade escolar”.
A floresta portuguesa nas perspetivas ambiental, social e económica
Há um sentido de urgência na análise que a consultora Boston Consulting Group realizou e apresentou no Fórum do Eucalipto, com vista à existência de uma floresta sustentável e com capacidade de criar valor ambiental, social e económico. Uma urgência que está relacionada com o valor que estas três dimensões representam, face à longa duração do ciclo natural da reabilitação florestal. Pedro Pereira, que apresentou o estudo, deixou, além do “retrato” atualizado da floresta nacional, um alerta para a necessidade de quebrar um círculo vicioso que começa e acaba no abandono das propriedades florestais.
Esta análise inclui ainda um plano de ação estrutural que passa por diversos pilares, como o rendimento e a remuneração dos produtores pelo valor direto e indireto da floresta, a transparência do mercado, ou o estímulo para a criação, por parte da indústria, de produtos de elevado valor. Estas medidas terão, por sua vez, de ser apoiadas por um esforço contínuo em áreas como a atração de talento para o setor, o fomento de tecnologias com vista à otimização da gestão, bem como o reforço da comunicação e da educação focada nos benefícios da gestão florestal.
Com o olhar no futuro
A coordenadora do Conselho Científico do Fórum do Eucalipto, Helena Pereira, Professora Catedrática Emérita do Instituo Superior de Agronomia, partilhou algumas notas, no final de evento, em jeito de balanço. E deixou três ideias para o futuro: a necessidade de “mais e melhores florestas”; de mais investigação nesta área; e “de passar conhecimento, de forma adequada ao público-alvo, para a sociedade em geral e para aqueles que ajudam a criar perceções – professores e jornalistas”. Neste último ponto, lançou um desafio: “É preciso passar não só o conhecimento, mas também a curiosidade e o amor pela floresta e pelas árvores”.
António Redondo, CEO da The Navigator Company, encerrou o evento com a promessa de que este trabalho, iniciado há quase um ano, terá continuidade, revelando que o próximo passo será consolidar os valiosos contributos do evento e integrá-los nas estratégias de gestão florestal e de comunicação da Navigator. “Com base em todas as contribuições”, acrescentou, “em breve apresentaremos uma obra alargada e um conjunto de iniciativas inovadoras, que reforçarão o nosso compromisso com a sustentabilidade e com a gestão responsável das florestas”. Numa ideia que resume toda a abordagem que esteve na génese e no desenvolvimento deste projeto, concluiu: “Este é um esforço contínuo e colaborativo, onde cada voz e cada ideia contam.”
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