A caravela-portuguesa pode parecer uma alforreca. Mas não é. Na verdade, este curioso animal nem sequer é “um” animal…
Trata-se de um organismo pluricelular, composto por quatro zooides, que não podem funcionar uns sem os outros – cada um fornece uma função necessária para que os outros sobrevivam – e que só ocorrem juntos.
O zooide superior, um pneumatóforo que permite que a caravela-portuguesa flutue, é uma espécie de bolha cuja forma faz lembrar os navios utilizados pela marinha portuguesa no séc. XVIII, quando a toda a vela, e que dá o nome à criatura. Os dactilozoides são os tentáculos da caravela. Os gastrozoides são os “estômagos”. E os gonozoides são os responsáveis pela reprodução.
O nome científico da caravela-portuguesa é Physalia physalis. Pertence ao grupo dos cnidários, tal como outras 10.000 espécies, incluindo as alforrecas. Mas, não sendo uma alforreca, partilha com elas uma característica-chave: as picadas dolorosas. Os dactilozoides são cobertos por nematocistos cheios de veneno, usado para as caravelas matarem as suas presas, geralmente pequenos peixes e plâncton. As picadas são bastante dolorosas para os humanos, mas raramente são fatais.
O veneno provoca dores muito fortes, queimaduras, e, em casos mais extremos, reações alérgicas graves. As queimaduras provocadas pelo contacto com os tentáculos deixam cicatrizes que podem ser permanentes.
Os tratamentos para as picadas foram muito debatidos ao longo dos tempos, mas um estudo de 2017, publicado na revista Toxins, recomendou vinagre para lavar os nematocistos remanescentes assim que os tentáculos forem removidos (com recurso a algum objeto plástico, como um cartão bancário, por exemplo) e, de seguida, embeber a área afetada em água quente durante cerca de 45 minutos. Estes “truques” servem para aliviar a dor enquanto se aguarda assistência médica. Curiosamente, os investigadores também observaram que a lavagem com água do mar, que é uma recomendação comum, “espalha as cápsulas pungentes por uma área maior, tornando as picadas muito piores”.
Apesar do veneno, as caravelas portuguesas têm predadores. A tartaruga-comum (Caretta caretta), o peixe-lua (Mola mola) e a lesma do mar azul (Glaucus atlanticus) são alguns deles, obviamente imunes às toxinas. Outro predador curioso é polvo cobertor (Tremoctopus), que já foi avistado com tentáculos de caravelas portuguesas derrotadas “colados” às suas ventosas: provavelmente usa-os para ataque às suas presas e para defesa contra predadores.
Ao sabor da maré
Ao contrário das alforrecas, a caravela-portuguesa não nada, pelo que segue à deriva, navegando com as correntes do oceano ou “velejando” à medida que os seus pneumatóforos apanham a brisa do mar. Se houver uma ameaça na superfície, pode libertar temporariamente algum gás do pneumatóforo, permitindo-lhe afundar-se na água.
Talvez devido à forma como se move, a caravela-portuguesa dá muito à costa em praias de todo o mundo. Por cá, surge frequentemente na Madeira e Açores, e mais raramente na costa continental. E, mesmo já não estando no oceano, os tentáculos – que chegam a atingir mais de 20 metros – ainda podem picar, mesmo que as outras partes estejam mortas, pelo que o melhor é não se deixar levar pela curiosidade e evitá-los.