A eletrónica de papel tem inúmeras aplicações práticas. Em breve, muitas serão as utilizações quotidianas. Deixe-se surpreender.
Sexta-feira, seis da tarde. Entra no carro, conformado por ainda ter de fazer as compras de última hora para a festa de aniversário do seu filho mais velho, quando recebe um alerta no ecrã do veículo de que tem um lembrete na agenda: a sua embalagem de medicamentos para o colesterol está a recordá-lo de que tem de tomar o comprimido em breve. Entretanto, aproveita para verificar, em tempo real, por onde anda a encomenda que enviou para os seus pais, que estão prestes a fazer cinquenta anos de casados. Pela informação de geolocalização do e-papel da caixa, percebe já lhes foi entregue. Espera que eles gostem da dispendiosa garrafa de vinho português, que comprou por ter, no rótulo, um dispositivo eletrónico de segurança que lhe garantia não se tratar de uma contrafação.
Chega a casa com pouca bateria no telemóvel e, por isso, a primeira coisa que faz é colocá-lo no carregador que está ligado ao papel de parede da entrada, que tem células fotovoltaicas incorporadas. E lembra-se de ter lido sobre um papel transparente feito de bactérias, que também produz e armazena energia, e que poderia colocar nas janelas.
Decide relaxar e refrescar-se com uma cerveja. A cor do sensor impresso no rótulo da garrafa significa que a bebida está à temperatura ideal. Já a cor da embalagem de papel de comida chinesa preocupa-o: indica que os alimentos com que está em contacto já não estão próprios para consumo. É então que se lembra que ainda não comprou os protetores solares para as férias. Aqueles específicos que a sua mulher lhe recomendou três vezes. Os que têm um sensor de papel na embalagem, que lê no momento o índice UV do sol.
Liderança portuguesa na investigação
Daqui a dez anos, ou antes, assegura Luís Pereira, investigador do Centro de Investigação de Materiais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, este futuro poderá ser uma realidade para toda a gente. A investigação em eletrónica de papel – que já trouxe muitos prémios para Portugal desde que, em 2008, Elvira Fortunato, do CENIMAT, foi notícia internacional por criar o primeiro transístor de papel – é atualmente algo valorizado em todo o mundo. “Estamos a fugir dos plásticos, portanto, há muito trabalho a nível da eletrónica flexível com papel, por ser um material renovável”, justifica a agora diretora deste Centro de Investigação de Materiais e vice-reitora da Nova. “A sustentabilidade é uma questão fulcral aqui no trabalho do laboratório”, admite Elvira Fortunato.
No âmbito das aplicações do papel, os projetos que já estão numa fase de protótipo são canalizados para o laboratório colaborativo Alma Science do CENIMAT. Trata-se de uma associação sem fins lucrativos, criada no âmbito dos laboratórios que o Governo lançou na última legislatura, constituída em maio do ano passado, sob o tema “Celulose para Aplicações Inteligentes Sustentáveis”, avança Elvira Fortunato. Tem como parceiros a Nova ID (um instituto da Universidade), o RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e do Papel, e o Instituto Fraunhofer. A ligação ao tecido empresarial é feita através da The Navigator Company, da Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM) e do laboratório Clara Saúde, com coordenação da INCM, com a qual o CENIMAT trabalha na área do papel a nível de contrafações e materiais de segurança, com a expectativa deste conhecimento poder ser aplicado nas suas áreas de negócio.
Num futuro próximo, o papel será suporte de inúmeras tecnologias destinadas a simplificar o nosso dia-a-dia e a permitir–nos tomar decisões mais informadas.
Legenda Fotografia
Os biomarcadores em papel podem ser usados para fazer análises ao sangue ou à urina (diagnóstico médico), mas também a bebidas, com vista à segurança alimentar.