Para todos os que já sentiram o efeito transformador de uma boa história, é fácil perceber que a leitura de um livro pode ser terapêutica. A biblioterapia parte exatamente dessa ideia: usar os livros como ferramenta de cuidado, de descoberta pessoal e de bem-estar.
“Tratamento de doenças através da leitura de livros” – é esta a definição de biblioterapia proposta pelo dicionário da Porto Editora. Mas esta explicação sabe a pouco, sobretudo para quem se cruza com o conceito pela primeira vez.
A biblioterapeuta Sandra Barão Nobre aprofunda um pouco mais: “É uma prática que explora o impacto emocional e psicológico que as histórias têm no ser humano. Tentamos pôr em marcha o potencial transformador que essas histórias encerram, com o grande objetivo de cuidar das pessoas, promovendo o seu desenvolvimento constante e a sua saúde”.
Embora a palavra biblioterapia seja recente – surgiu apenas no início do século XX –, a prática é muito mais antiga. Desde a tradição oral que o ser humano recorre a histórias como ferramenta de cura e crescimento. Hoje, a biblioterapia combina essa herança milenar com um corpo crescente de estudos científicos, que têm permitido consolidar abordagens personalizadas, que têm no livro o principal suporte.
Todos podem recorrer à biblioterapia?
Quem tem filhos sabe como uma história pode ajudar uma criança a ultrapassar medos ou inseguranças. A biblioterapia usa esse poder em todas as fases da vida, até porque os “dramas” dos adultos não são assim tão diferentes.
“A biblioterapia adequa-se a qualquer pessoa, de qualquer condição e em qualquer faixa etária”, garante Sandra Nobre. “Inclusive, não temos de saber ler para ser alvo de um processo biblioterapêutico. Posso contar as histórias em voz alta, ou até dramatizá-las.”
Ou seja, todos podemos beneficiar desta abordagem.
Ainda assim, o perfil de quem procura Sandra Nobre para este acompanhamento está bem definido: sobretudo mulheres, a partir dos 30 anos. “As suas motivações são inúmeras”, explica a biblioterapeuta. “Desde quererem recuperar o prazer da leitura, superar bloqueios criativos ou crises espirituais, melhorar o estilo de escrita, ou, em casos de depressão, ansiedade ou outros quadros de doença mental, procurar um complemento à psicoterapia.”
Mas os benefícios não se ficam pela mente. O corpo também responde à leitura. “Mergulhar num livro – aquilo que a ciência designa por uma ‘experiência de fluxo’ – relaxa-nos fisicamente: os batimentos cardíacos desaceleram, os músculos relaxam, e os quadros de ansiedade são apaziguados”, garante Sandra Nobre.
Para além das abordagens clínica e de desenvolvimento, que implicam uma relação de um para um, há outras formas de pôr em marcha a bilbioterapia.
Tratar da saúde de um grupo
A biblioterapia pode ser aplicada de forma individual, mas também em grupo – em escolas, bibliotecas, hospitais ou até em empresas.
“Se estivermos a trabalhar com um grupo, que pode ser uma turma ou uma equipa, a biblioterapia pode trazer benefícios ao reforçar os laços entre as pessoas, mas também ao promover a empatia, a capacidade de ouvir o outro e de desenvolver compaixão e tolerância”, enumera Sandra Nobre. “Aprender a dialogar é um aspeto importante que, hoje, se encontra negligenciado pela prevalência do digital”.
As vantagens do “livro-remédio” em papel
“Existe uma diferença clara, ainda que inconsciente, entre a leitura no papel e a leitura no ecrã – sempre com vantagem para o papel, em qualquer género literário e em qualquer faixa etária”, defende Sandra Nobre. “Não é verdade, por exemplo, que as gerações mais jovens retêm melhor no digital: a ciência mostra precisamente o contrário”, acrescenta.
“Estamos condicionados para fazer uma leitura diferente no ecrã. Até os nossos olhos se comportam de maneira distinta sobre um texto no ecrã e sobre um texto no papel. E o papel vencerá sempre”, assegura a biblioterapeuta.
Ainda assim, o importante é mesmo ler. “Se a pessoa preferir ecrã ou audiolivro, tudo bem. Mas faço notar que há uma diferença, que há sempre algo que se perde neste tipo de leitura”, explica a especialista.
A farmácia literária
O género mais usado na biblioterapia é a ficção, pela sua riqueza em metáforas e analogias: “É o que não se diz explicitamente que vai estimular as emoções”, conta a biblioterapeuta. Mas a poesia também tem lugar, assim como biografias, memórias ou histórias verídicas.
O essencial é ajustar o livro a cada pessoa, sublinha Sandra Nobre: “A ideia é levá-la a estabelecer pontes entre os seus valores, a fase da vida em que se encontra, os seus objetivos ou problemas, e aquela história. Quanto mais forte for a identificação, mais facilmente se entra neste processo biblioterapêutico”.
Cada pessoa tem, portanto, o seu “livro-remédio”. Mas também existem clássicos universais – ou livros básicos –, garante a biblioterapeuta, que chama a esse conjunto a sua “farmácia literária”, que usa em contextos muito distintos.
Sandra Barão Nobre reuniu parte do seu saber e da sua experiência em livro. Em “Ler para Viver – Como a biblioterapia pode melhorar as nossas vidas”, traz a biblioterapia do mundo académico e teórico para a vida do dia a dia. O volume inclui uma farmácia literária com mais de 200 sugestões de leitura para ganhar confiança, combater a discriminação, melhorar o humor, aproveitar o tempo, e muitas outras formas de aplicar o poder transformador dos livros.
📌 Nota: a biblioterapia não substitui o acompanhamento clínico – serve de complemento.