As bolotas, fruto da floresta autóctone portuguesa, são um alimento saudável e um recurso abundante. Usos tradicionais e receitas antigas estão a ser recuperados para as trazer de volta às nossas mesas. Mas também há inovações.
As bolotas são o fruto dos vários tipos de carvalhos. Estas árvores, entre as quais se contam as azinheiras e os sobreiros, pertencem ao género Quercus e fazem parte da nossa identidade, representando 36% da área florestal nacional*. Elas são as herdeiras da Fagosilva, a floresta nativa que cobria o país muito antes de haver país.
A principal ocupação do nosso solo continua, hoje, a pertencer à floresta e, dentro desta, os carvalhos ocupam a maior fatia. Não é, por isso, de estranhar que os seus frutos tenham sido um recurso relevante ao longo da história dos povos que por aqui habitaram.
Desde há 12 mil anos, nas várias fases de povoamento da Península Ibérica, os carvalhos foram importantes fontes de madeira e de energia. Mas também foram fonte de alimento, por via das bolotas, que não serviam apenas para sustento dos animais. Antes da disseminação das culturas do milho e da batata, que ocorreu a partir dos séculos XV e XVI, a bolota, tal como a castanha, era essencial na dieta dos nossos antepassados, sobretudo daqueles que tinham menos recursos (ou seja, a maior parte).
Velhas e novas receitas
As bolotas são ricas em fibras, proteína e lípidos. Não têm glúten e possuem um elevado teor de polifenóis, de onde vem o seu efeito antioxidante. Foram muitas as formas de as consumir, ao longo dos tempos. Desde logo, assadas e cozidas, mas também piladas – uma maneira de se conservarem, depois de secas, para usar mais tarde, fora da sua época.
Mas havia usos menos evidentes: moída, a sua farinha era usada na confeção de vários tipos de pães, bolos e papas. No Alentejo, há registos de sopas de bolota e de doces feitos à base deste fruto seco. A bolota entrou até na doçaria conventual. E há vestígios de ter sido consumida numa bebida fermentada, semelhante à cerveja.
Todos estas utilizações foram caindo no esquecimento, à medida que a bolota foi sendo substituída por outros alimentos e reservada, quase exclusivamente, para os animais, sobretudo os suínos. Mas nos últimos anos, houve quem procurasse recuperar antigos costumes e sabores.
Hoje, é possível encontrá-la sobretudo em pequenas marcas familiares que recriaram receitas ancestrais ou inventaram novas formas de a consumir: desde pães, bolos e biscoitos, passando por doces e sobremesas e pelo tradicional licor de bolota. É possível também adquiri-la moída, em farinha, para usar, em casa, ao gosto de cada um. E há novos produtos como os hambúrgueres, os croquetes, os enchidos vegetarianos ou os iogurtes.
A bolota está a “ressuscitar” não por qualquer espécie de saudosismo, mas em nome de valores como a sustentabilidade. Muito mais do que “comida para os porcos”, é um alimento saudável, que existe em abundância no nosso país e que ainda é, em grande parte, desperdiçado.
*ICNF, Perfil Florestal, novembro 2018
Carvalhos nativos
Carvalho-de-monchique plantado pela The Navigator Company na sua floresta.
Existem mais de 400 espécies dentro do género Quercus. Oito delas são nativas de Portugal:
- Carvalho-cerquinho ou carvalho-português (Quercus faginea)
- Carvalho-de-Monchique (Quercus canariensis)
- Sobreiro (Quercus suber)
- Azinheira (Quercus rotundifolia)
- Carrasco (Quercus coccifera)
- Carvalho-roble (Quercus robur)
- Carvalho-negral (Quercus pyrenaica)
- Carvalhiça (Quercus lusitanica)
Preservar o carvalho-de-Monchique
Calcula-se que existam apenas 350 carvalhos-de-Monchique no nosso país. A espécie está classificada como “Criticamente em Perigo” e é alvo de ações de conservação na propriedade de Águas Alves, em Monchique, pela The Navigator Company, mentora do projeto My Planet. Além da dispersão de bolotas, têm sido plantadas novas árvores, cujo crescimento está a ser monitorizado. Pode ficar a saber mais sobre estas ações no nosso artigo “Preservar o carvalho-de-Monchique é dar vida à floresta nativa”.