Brincar e aprender na floresta

31 de Maio 2022

As crianças precisam de tempo ao ar livre em contacto com a natureza. Descubra tudo o que podem ganhar se tiverem mais oportunidades para brincar aos “exploradores”.

“Levem as crianças a contemplar a natureza, porque quem não sabe contemplar a natureza também não sabe contemplar-se a si mesmo. Escutar o mundo que me rodeia é escutar o meu corpo”. Quem o diz é Carlos Neto no seu mais recente livro “Libertem as Crianças”. Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa e investigador, este especialista tem vindo a alertar para o défice de tempo ao “ar livre” que afeta as crianças portuguesas e para as consequências de um quotidiano demasiado dirigido pelos adultos. A pandemia não veio ajudar a melhorar este cenário, muito pelo contrário. Mas há quem reme contra a corrente.

Em Portugal há já vários projetos educativos que procuram aumentar o contacto das crianças com a natureza, seja a tempo integral, seja em períodos inseridos no tempo escolar ou em atividades extracurriculares ou de férias. O movimento Forest School, que nasceu na Dinamarca nos anos 50 do séc. XX, tem criado seguidores por toda a Europa e defende que as crianças só têm a ganhar, sobretudo no período pré-escolar, se passarem os dias na floresta, esteja a chover, a nevar ou a fazer sol. Mas há outras correntes, como os métodos pedagógicos Montessori, Waldorf ou Velaverde, que não sendo tão “radicais”, consideram central a ideia de que a natureza tem um mundo de benefícios e oportunidades inigualáveis de aprendizagem e de desenvolvimento.

Entrando no mundo mágico da floresta, onde se passam tantas histórias infantis e cujo imaginário é tão rico, o que podem as nossas crianças reais aprender passando mais tempo entre árvores, terra, musgo, folhas e pequenos bichos?

Motricidade grossa

É uma das áreas mais afetadas pela falta de tempo na natureza. Tem a ver com o controlo do próprio corpo, a coordenação motora e o equilíbrio. Crianças que passam a maior parte do tempo sentadas  entre o sofá, o assento do carro e uma cadeira na escola, terão muito mais dificuldades em desenvolver estes aspetos. Na natureza, é possível subir às árvores, o que exige destreza e força, ultrapassar obstáculos, treinar o equilíbrio em cima de um tronco ou de uma pedra… são inúmeros, divertidos e com muitos benefícios os desafios que uma criança encontra num passeio na floresta. Pequenos arranhões são um preço muito baixo a pagar pelo tanto que se ganha.

Motricidade fina

Os mais pequenos vão com certeza desenvolver a motricidade fina ­- que é a capacidade de fazer movimentos precisos e que exigem a coordenação olho-mão – com tantos estímulos apelativos para agarrar entre o polegar e o indicador: pequenos galhos, pedras, folhas de todas as cores permitem fazer coleções, organizar os materiais por famílias e fazer uma infinidade de brincadeiras. Bichinhos de conta, escaravelhos e outros pequenos animais que fogem vão também estimular as habilidades relacionadas com esta área tão importante que vai depois permitir escrever, desenhar e recortar.

Avaliação do risco e tomada de decisões

Correr riscos de forma consciente e perceber o que está em causa quando se arrisca são experiências formadoras. Atividades livres, sem a programação dos adultos, no contacto com a natureza, proporcionam uma autonomia e uma consciência importantes sobre os próprios limites e o que podemos ou não arriscar. E desenvolvem a capacidade de decisão e de avaliação das situações, que serão determinantes pela vida fora.

Auto-conhecimento

Uma boa saúde mental é um benefício fundamental do maior contato com a natureza. Estão mais que estudados os efeitos positivos deste investimento de tempo que, para as crianças, é ainda mais importante. Reduz o stress, aumenta o relaxamento, aumenta o bem-estar e, nos mais novos, aumenta o sentido do “eu” e o auto-conhecimento. Segundo o movimento Forest School, as crianças serão, em última análise, mais felizes.

Auto-confiança e auto-estima

Ser capaz de trepar uma árvore mais alta, ultrapassar obstáculos que se encontram no caminho, salvar um gafanhoto ou uma joaninha são experiências que fazem as crianças sentir-se capazes, fortes e confiantes. Estes desafios são muito mais estimulantes no meio de uma floresta do que num parque infantil, onde a repetição se torna aborrecida. Na floresta, há sempre um caminho novo ou uma árvore diferente para descobrir.

Estudo do Meio e Ciências da Natureza

O clima, as estações do ano, a fotossíntese, os ciclos da natureza, a vida e a morte, a importância do solo e do que o compõe, a decomposição, a cadeia alimentar, os ecossistemas… são imensas as matérias que uma criança aprende em contacto com a natureza. Uma clareira pode ser a melhor sala de aula para tantas partes dos programas escolares. E a consciência ambiental cresce naturalmente, desde cedo, levando a adultos mais responsáveis pelo meio e mais ativos na defesa do planeta.