Coelho-bravo: mais do que uma presa

27 de Setembro 2024

É considerado uma espécie-chave para os ecossistemas mediterrânicos. Mas o coelho-bravo é digno de atenção só por si, e não apenas enquanto alimento para outras espécies.

Nos últimos anos, as notícias sobre o coelho-bravo têm revelado, quase sempre, dados preocupantes. Mas, muitas das vezes, estão associadas ao declínio das populações de outras espécies. O coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus algirus), espécie nativa em Portugal continental, é sempre apontado como espécie-chave nos ecossistemas mediterrânicos, por ser presa de vários predadores, alguns especializados, como o lince-ibérico (Lynx pardinus) e a águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti). Paralelamente, como aponta o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), “é uma das mais importantes espécies cinegéticas no quadro venatório nacional, quando não ibérico, sendo a base de sistemas económicos que têm a atividade cinegética como suporte das suas atividades”.

O declínio acentuado que tem sofrido nos últimos anos, reflete-se, assim, na conservação de outras espécies e na economia das comunidades. Mas “para além da sua função como a principal presa do lince-ibérico e do seu papel ecológico e económico, o coelho merece destaque por si só”. É o que defendem os autores do artigo “The rabbit beyond its role as lynx prey: improving knowledge on a keystone species” (“O coelho para além do seu papel como presa do lince: melhorar o conhecimento sobre uma espécie-chave), publicado em julho passado na revista científica CatNews, da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Curiosamente, trata-se de uma edição especial sobre a recuperação da população do lince-ibérico.

 

O declínio e os esforços de conservação

Nos últimos 70 anos, as populações de coelho-bravo da Península Ibérica diminuíram mais de 90%, devido a mudanças no uso do solo e a doenças, aponta o projeto LIFE Iberconejo. Segundo o Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, tem-se registado uma quebra média anual de 20% nas populações da espécie. Este declínio levou a IUCN, em 2019, a rever o seu estatuto, passando-o de “Quase Ameaçado” para “Em Perigo” de extinção.

Foi para dar resposta a este declínio que surgiu o projeto LIFE Iberconejo, cofinanciado pelo programa LIFE da Comissão Europeia. Juntando entidades espanholas e portuguesas em representação de todos os setores da sociedade (desde cientistas, a caçadores, passando por agricultores, membros de associações de conservação e gestores da administração pública), tem como missão desenhar as linhas-base para uma boa gestão do coelho-bravo. O projeto teve início em 2021 e decorre até ao final de 2024. Espera-se que possa contribuir para reverter as tendências de declínio das populações da espécie, de modo que esta possa regressar ao estatuto de “Vulnerável” da IUCN.

 

Contar coelhos

A monitorização é uma das ferramentas essenciais para um projeto de conservação e é, por isso, um dos eixos do trabalho levado a cabo pelo projeto LIFE Iberconejo. A falta de metodologias comuns entre as várias regiões impediu, até agora, a existência de dados fiáveis, atualizados e comparáveis. Este projeto desenvolveu um sistema de monitorização comum, à escala ibérica, para o coelho-bravo, que prevê o levantamento de dados não apenas sobre a dimensão das populações, mas também sobre o seu estado de saúde e sobre os danos provocados nas culturas agrícolas.

Esse sistema terá sido posto em prática durante o verão de 2024, com a realização de um censo da população de coelho-bravo, que deverá servir de base a uma atualização da distribuição da abundância da espécie, prevista para 2025. Mais de 800 pessoas, incluindo caçadores, agricultores, voluntários e ambientalistas, foram “formadas” no sentido de contribuírem para este esforço de monitorização. No próximo ano, deverão, assim, surgir novas notícias sobre o coelho-bravo e a sua população.

 

Há coelhos nas florestas Navigator

Sabia que o coelho-bravo, pelo seu estatuto de conservação, é uma das espécies que merecem cuidados especiais nas florestas geridas pela The Navigator Company, mentora do projeto My Planet? A Companhia compatibiliza os objetivos produtivos com a conservação das espécies, através de uma estratégia de gestão florestal responsável. 12,19% da área sob responsabilidade da Navigator corresponde a Zonas com Interesse para a Conservação – onde a prioridade é a manutenção, ou melhoria, do estado de conservação dos habitats que fornecem as condições de alimentação, refúgio e reprodução para as espécies.

 

Um pequeno coelho, tantos papéis

👉 O coelho-bravo é importante na dieta de inúmeros predadores — na Península Ibérica, existem mais de 40 espécies de aves e mamíferos que contam com ele enquanto presa.

👉 Contribui com os seus excrementos para melhorar a qualidade do solo.

👉 A espécie atua como um elemento de dispersão de sementes.

👉 E é considerado um modelador da paisagem associada aos sistemas mediterrânicos – contribui para a perpetuidade destes sistemas, em particular como fomentador do processo de formação dos solos.