Transformar resíduos florestais e subprodutos da indústria papeleira em biocombustíveis e combustíveis sintéticos, alternativos aos que hoje são obtidos a partir de origem fóssil, faz parte da transição energética em curso. Na próxima geração de combustíveis sustentáveis, o Eucalyptus globulus é protagonista.
“Biocombustíveis”, “e-fuels”, “bioetanol”, “biometanol”, “SAF”, “e-SAF”… À medida que crescem as preocupações globais com a descarbonização, enriquecemos também o nosso léxico com termos que há uma década estavam remetidos para papers especializados. As designações expressam produtos diferentes, mas com uma raiz comum e essencial: traduzem variantes de uma nova geração de combustíveis capazes de substituir com sucesso os que hoje são obtidos por processos petroquímicos.
A neutralidade carbónica destaca-se como a sua principal vantagem, associada a outra igualmente relevante: estes combustíveis líquidos apresentam grande compatibilidade com as infraestruturas e tecnologias já existentes, incluindo motores de combustão interna, agilizando a transição energética em setores em que a eletrificação apresenta grande complexidade, como o transporte aéreo e marítimo.
Os biocombustíveis para a aviação, denominados SAF (Sustainable Aviation Fuels), representam atualmente 2% dos combustíveis adotados na aviação, mas essa quota terá de subir até 6% já em 2030, ao abrigo das metas estabelecidas pela União Europeia (UE). E os combustíveis sintéticos, ou e-SAF, mais complexos de produzir e em estádio de desenvolvimento mais inicial, terão de alcançar 1,2% nesse ano.
Estima-se que, só no que diz respeito a combustíveis sintéticos para a aviação e para o transporte marítimo, este mercado possa valer, já em 2030, o dobro do mercado europeu atual de pasta de celulose de eucalipto. O termo de comparação não surge por acaso: é que as bioindústrias do setor papeleiro estão especialmente bem posicionadas para a sua produção.
Mas o que distingue “biocombustíveis” de “e-fuels”? E o que torna a indústria papeleira tão apta a produzi-los?
Biocombustíveis: a origem natural
Os biocombustíveis são produzidos a partir dos sobrantes da exploração florestal e dos subprodutos do processo industrial de produção de pasta celulósica de eucalipto.
O bioetanol de origem celulósica, produzido através da sacarificação (processo de conversão de carboidratos complexos em açúcares simples, que podem ser mais facilmente fermentados) de resíduos florestais e da sua fermentação em etanol, pode ser incorporado em gasolina, como combustível renovável de segunda geração, ou mesmo convertido em SAF para o transporte aéreo.
A partir dos subprodutos líquidos do processo de produção de pasta celulósica, nomeadamente o licor negro, pode igualmente recuperar-se metanol, que poderá ser utilizado, em particular, como biocombustível para transporte marítimo.
E-fuels: o “e” que faz a diferença
Enquanto os biocombustíveis têm origem no processamento de outros materiais biológicos, os e-fuels, ou combustíveis sintéticos, resultam da combinação – ou síntese – de hidrogénio verde e CO2 biogénico.
Tudo começa na eletrólise da água (separação das moléculas de oxigénio e de hidrogénio, por efeito da passagem de uma corrente elétrica), a partir da qual se obtém o “hidrogénio verde”, assim chamado quando a energia usada no processo é inteiramente gerada a partir de fontes renováveis. O passo seguinte consiste na captura de carbono biogénico – o CO2 fixado pelas árvores durante o processo de fotossíntese – e posterior combinação com o hidrogénio.
Também nesta matéria, a indústria de Pasta e Papel está numa posição favorável para a disponibilização do carbono biogénico, essencial à produção dos e-fuels: este gás é gerado a partir da combustão dos sobrantes da exploração florestal ou do processo de produção de pasta de eucalipto.
Na UE já se encontra legislado que, a partir 2041, o único CO2 passível de ser utilizado para combustíveis sintéticos é o CO2 de origem biogénica.
As plantações florestais de E. globulus e a indústria que lhes está associada perfilam-se, assim, como uma das soluções mais ecoeficientes para promover a descarbonização fóssil de outras indústrias e setores económicos com maior dificuldade em descarbonizar, através da produção de bio e e-fuels.
A produção desta nova geração de combustíveis está, como fica claro, intimamente ligada à existência de bioindústrias competitivas no setor papeleiro, para as quais a disponibilidade de matéria-prima se apresenta como um fator crítico.
As condições de solo e de clima nacionais para a plantação de eucalipto, ímpares na Europa, constituem uma vantagem competitiva tão relevante para a bioeconomia nacional e para o aumento do Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional como é, por exemplo, o total de horas de irradiação solar direta em Portugal na redução dos custos de geração de energia elétrica fotovoltaica, essencial para a competitividade da fileira do hidrogénio verde no país.