Mil novos carvalhos-de-monchique, que nasceram em viveiro a partir de bolotas recolhidas na floresta, vão ser plantados na Serra de Monchique. Um material genético raro volta assim à origem – com uma “mãozinha” humana que pretende evitar o desaparecimento desta espécie.
Classificado como “Criticamente em Perigo”, o carvalho-de-monchique (Quercus canariensis) é uma espécie tão rara que é considerada a árvore mais ameaçada do nosso país. A Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental estima que existam menos de 250 indivíduos maduros. Esta população distribui-se pela Serra de Monchique e áreas adjacentes. A espécie está a ser alvo de iniciativas no sentido de garantir a sua conservação e o restauro dos habitats onde pode regenerar.
O carvalho-de-monchique está presente em propriedades da The Navigator Company, mentora do projeto My Planet, em Marmelete (Serra de Monchique) e em São Teotónio (Odemira). A Companhia tem empreendido ações de conservação desde 2019, no sentido de reforçar a presença deste carvalho no território. “É uma espécie relíquia, que encontra na Serra de Monchique as condições ideais, com alguma humidade e nevoeiro, mas que tem sofrido um declínio acentuado”, explica Nuno Rico, responsável pela Conservação da Biodiversidade da Navigator. “No campo não há muita regeneração natural e as árvores têm produzido poucas bolotas. Por isso começámos a intervir no sentido de promover a sua conservação”, conta.
Mais recentemente, a recuperação do Quercus canariensis está a merecer um novo impulso através de um projeto transForm PRR cujo objetivo é aumentar a resiliência da floresta portuguesa aos efeitos das alterações climáticas. Denominado “P1.1 Melhoramento genético, produção e conservação de materiais florestais de reprodução”, esta iniciativa – que teve início em 2022 e se prolonga até 2025 – inclui uma componente focada na “Conservação genética e recuperação de populações em espécies autóctones ameaçadas”.
O carvalho-de-monchique é uma destas espécies – entre cerca de uma dezena – que estão a beneficiar do esforço concertado de várias entidades: a coordenação está a cargo do RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, e do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária. A área florestal da Navigator, o Instituto Politécnico de Castelo Branco e os Viveiros Aliança estão envolvidos como parceiros.
Caracterização genética da espécie e identificação dos “puros”
Em 2023, foram efetuadas as primeiras visitas de campo às propriedades da Navigator na Serra de Monchique. Com o apoio do BIOPOLIS – CIBIO e do Jardim Botânico da Universidade do Porto, consultores do projeto, foi recolhido material genético, fez-se a caracterização e mapeamento da espécie, e a caracterização molecular de árvores selecionadas, com recurso a ferramentas de genómica. O objetivo era identificar exemplares característicos da espécie, analisar o potencial grau de hibridação com o carvalho-português e caracterizar a diversidade das subpopulações portuguesas desta espécie. O material recolhido seguiu para os Viveiros Aliança e para o Instituto Politécnico de Castelo Branco, para ensaios de propagação vegetativa.
“Sendo um carvalho muito raro, não há muitos estudos sobre a caracterização genética da espécie, por isso foi muito importante fazer este trabalho”, explica Nuno Rico. Um dos importantes resultados desta pesquisa, divulgado no final de outubro, foi a identificação de dois exemplares de carvalho-de-monchique considerados “puros”. Um dos fatores que ameaça a espécie é a hibridação, que acontece de forma natural, com o carvalho-português, e que contribui para que a sua identidade genética se vá perdendo. Os dois exemplares agora identificados mantêm, contudo, a tal “pureza” genética que os investigadores procuram.
“Entre as 15 e 20 árvores amostradas na propriedade da Navigator, estas duas apresentam um grau de pureza genética muito elevado, ou seja, não têm material genético do carvalho-português ou, se existe, não é significativo. Sabendo isto, pretendemos fazer a reprodução do seu material genético, de forma a promover a conservação da espécie com todas as suas características distintivas”, revela Nuno Rico.
Outro fator que tem levado ao declínio do número de exemplares do carvalho-de-monchique está relacionado com as condições climáticas – anos consecutivos de seca –, que limitam a viabilidade das bolotas e comprometem a regeneração natural.
O ano das bolotas
Por esta razão, foi tão importante a recolha levada a cabo em 2023, de uma quantidade significativa destas valiosas bolotas – o fruto do carvalho, que contém em si a possibilidade de germinação de uma nova árvore. Para se ter uma ideia, “nos últimos cinco anos, apenas nos foi possível recolher bolotas no ano passado”, conta Nuno Rico. “Por isso, recolhemos o máximo possível, não só de carvalho-de-monchique, mas também de carvalho-português (Quercus faginea) e de campaniça ou carvalhiça (Quercus lusitanica)”, acrescenta.
O processo de recolha de bolotas não é complicado, podendo estas ser apanhadas da árvore ou do chão, desde que se encontrem em bom estado. “Depois de recolhidas, são entregues nos viveiros, identificadas, postas na terra e espera-se que germinem” conta o responsável.
As bolotas que foram recolhidas em 2023 transformaram-se em plantas que serão em breve, durante este outono, plantadas nas suas áreas de origem. Das 1500 plantas obtidas, cerca de um terço (mil exemplares) são carvalhos-de-monchique.
A recolha das bolotas e a sua transformação em plantas robustas, preparadas para uma vida na floresta, foi possível graças ao projeto transForm PRR. Mas a sua plantação está exclusivamente a cargo da The Navigator Company, numa ação que dá seguimento aos seus esforços de conservação do carvalho-de-monchique.
“Temos como objetivo, no futuro, conseguir obter exemplares para serem plantados noutros locais, através de parceiros com interesse em participar neste esforço de conservação”, adianta Nuno Rico, abrindo a porta a que outras entidades ou particulares possam juntar-se nesta missão de salvar a árvore mais ameaçada de Portugal.