Contar coelhos-bravos: o que nos diz o primeiro censo ibérico da espécie

30 de Junho 2025

Entre 2009 e 2022, a população de coelho-bravo na Península Ibérica caiu 17,6%. É um número que dá que pensar – sobretudo quando falamos de uma espécie-chave para o equilíbrio dos ecossistemas mediterrânicos.

Os dados fazem parte do primeiro censo ibérico da espécie Oryctolagus cuniculus, desenvolvido no âmbito do projeto LIFE Iberconejo, que acaba de ser publicado.

Trata-se do maior esforço de monitorização até hoje realizado, reunindo observações de campo e modelos de distribuição na Andaluzia, Castela-Mancha, Extremadura e todo o território de Portugal.

Através deste censo, feito com base num modelo matemático que integrou dados de caça, levantamentos de campo e informação sobre os habitats, foi possível construir um mapa de abundância do coelho-bravo sem precedentes, que permitirá orientar melhor as estratégias de conservação.

É o retrato mais completo alguma vez feito sobre a distribuição desta espécie.

A tendência geral é de declínio, mas o retrato não é uniforme: a espécie mantém núcleos estáveis ou até em crescimento em algumas zonas, nomeadamente no quadrante sudoeste da Península Ibérica, onde se localiza a maior densidade conhecida.

As conclusões deste censo revelam um padrão preocupante: enquanto a densidade da espécie é elevada em certas zonas agrícolas, o coelho-bravo escasseia nas áreas onde a sua presença é mais necessária: em áreas florestais e de matos – o que sublinha a importância das boas práticas silvícolas. “As alterações nos usos do solo, com o desaparecimento da paisagem tradicional em mosaico, e as doenças, são os fatores que têm sido associados ao declínio das populações do coelho-bravo”, lê-se no documento.

Uma peça central nos ecossistemas

O coelho-bravo é considerado um “engenheiro do ecossistema”, pela forma como altera o ambiente – através das suas tocas, das sementes que dispersa, da vegetação que consome, e, sobretudo, pela sua função como elo central da cadeia alimentar. Mais de 40 espécies predadoras dependem dele, sendo, nomeadamente, a base da dieta de vários predadores emblemáticos da Península Ibérica, como o lince-ibérico, a águia-imperial e o bufo-real.

Nas áreas florestais geridas pela The Navigator Company, mentora do projeto My Planet, o coelho-bravo encontra abrigo e alimento, em habitats mantidos com práticas de gestão responsável. Estas áreas incluem zonas de refúgio, corredores ecológicos e uma gestão do subcoberto que favorece a biodiversidade. São também locais onde se monitoriza a presença da espécie e se integram medidas de valorização da fauna nativa. Aliás, cerca de 12% das florestas sob responsabilidade da Navigator correspondem a Zonas com Interesse para a Conservação – onde a prioridade é a manutenção, ou melhoria, do estado de conservação dos habitats que fornecem as condições de alimentação, refúgio e reprodução para as espécies.

Este trabalho de gestão sustentável assume um valor acrescido quando falamos de espécies em declínio, como o coelho-bravo. Promover a sua presença nas áreas florestais é contribuir para ecossistemas mais equilibrados e mais resilientes.

Contar para cuidar

Tal como afirma o diretor do projeto LIFE Iberconejo, Ramón Pérez de Ayala, “dispor de dados atualizados e comparáveis em grande escala sobre a fauna selvagem é a base fundamental para uma adequada tomada de decisões”. Este primeiro censo ibérico é um passo decisivo nessa direção.

É agora tempo de agir: restaurar habitats, adaptar práticas de uso do solo, reforçar a monitorização sanitária da espécie e promover a coexistência equilibrada entre conservação e produção agroflorestal.

Porque contar coelhos-bravos não é apenas uma questão de números, é uma forma de cuidar da biodiversidade e dos ecossistemas de que todos dependemos.

Portugal esteve envolvido no projeto LIFE Iberconejo desde o início, através do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).