Um ramo de espigas, papoilas, malmequeres, oliveira, alecrim e videira. No Dia da Espiga, a tradição ainda é o que era. Mas será que a conhece mesmo?
Já entrou em casa de alguém e viu um ramo de flores de pernas para o ar pendurado atrás da porta? É o Ramo da Espiga, e é muito mais do que um ramo de flores virado de pernas para o ar pendurado atrás da porta de entrada: tem um dia dedicado à sua confeção e está carregado de simbologia e tradições ancestrais.
“Por onde maio passou, tudo espigou”, diz o ditado popular. E, como em tantos outros, há um racional para o dito. Maio é o quinto mês do calendário gregoriano e corresponde ao meio da primavera, a estação da fertilidade dos campos, em que se inicia o amadurecimento das sementes e dos frutos; as tardes aquecem e os dias crescem. É uma altura especialmente significativa para as comunidades agrícolas que têm na terra o seu sustento, que dependem do que a terra produz, das chuvas… e do favor dos deuses.
Maio herdou o nome de uma divindade romana, Maia, deusa da fecundidade e da primavera, personificação do despertar da natureza e da energia vital. O Dia da Espiga, quase sempre celebrado neste mês, está, por isso, impregnado de tradição e carga mística – acredita-se que o costume da apanha da espiga tenha raízes nas tradições pagãs em honra da deusa Flora, que aconteceriam no pico da primavera, no nosso atual mês de maio.
Mas a história não termina aqui. E, de novo, há um ditado popular para nos ajudar a contá-la: “Da Páscoa à Ascensão, quarenta dias vão”. Com a chegada do Cristianismo, o Dia da Espiga, acabou por se associar informalmente à Quinta-feira de Ascensão, e hoje as datas são celebradas em simultâneo. Quarenta dias depois da Páscoa, celebra-se a ascensão de Cristo, mas também o Dia da Espiga.
Do campo ao ramo
Esta quinta-feira de primavera começa com uma caminhada matinal pelos prados e quase nunca é um ato solitário, muito pelo contrário: nas zonas mais rurais, é uma atividade feita em grupo e em família e pode durar um dia inteiro.
As flores e as plantas que compõem o ramo não são sempre as mesmas, variam de região para região de acordo com a biodiversidade que cada terra oferece. No entanto, há elementos que surgem quase sempre, e cada um deles com uma determinada simbologia.
- Trigo, aveia ou centeio, não importa a espécie. As espigas de cereais estão sempre presentes. Ou não representassem elas o pão que alimenta e a fertilidade da terra que sustenta as famílias. A tradição manda que as espigas sejam um elemento obrigatório e – sem que se saiba bem porquê – sempre em número ímpar.
- A papoila, de cores vibrantes, quentes e intensas, representa o amor e a vida. É a flor mais graciosa do ramo, mas também a primeira a murchar.
- Já o malmequer, uma clássica alegoria de inocência e pureza, assume outro papel no ramo do Dia da Espiga. Aqui, o branco das suas pétalas alude à prata, enquanto o amarelo do botão simboliza o ouro. A metáfora é clara: o malmequer tem lugar no ramo para invocar riqueza e a prosperidade.
- No caso da oliveira, que também tem lugar cativo na tradição do Dia da Espiga, o sentido é conhecido e clássico: símbolo da paz desde a Antiguidade, a oliveira reitera esse desejo universal. A tradição católica, que adotou o Dia da Espiga, conferiu-lhe um novo alcance, atribuindo à oliveira uma matriz divina no ramo.
- O alecrim, com o seu cheiro robusto e o seu caráter resistente, representa a força e a capacidade de enfrentar as adversidades. Há quem use o rosmaninho em vez do alecrim, dependendo da região e da abundância de cada espécie. O que conta é o sentido que lhe é atribuído.
- Por último, mas não menos importante: a videira é incontornável, muito mais num país como Portugal. E aqui é transparente a metáfora: uma homenagem ao vinho e à alegria, dois elementos fundamentais das tradições populares do mundo rural. Porque o Dia da Espiga, e o ramo que o embeleza, é uma celebração de vida e de comunhão com a Natureza,
Depois de colhido e composto, o ramalhete é pendurado nas casas, de pernas para o ar, quase sempre atrás da porta da entrada, abençoando as famílias com sorte, prosperidade e proteção, não devendo ser perturbado até à próxima primavera, quando for substituído por outro – a não ser em dias de trovoada, em que há o costume de queimar uma parte do ramo no fogo da lareira, para afastar a tormenta e proteger as culturas do mau tempo.
O Dia da Espiga é um dia florido, que traz alegria e disposição para o começo de um novo ciclo. Agora mais do que nunca, é também um dia que nos remete para a importância da relação da Humanidade com a Natureza.