A humanidade esgotou no dia 24 de julho os recursos naturais disponíveis para todo o ano. O Dia da Sobrecarga da Terra está a chegar cada vez mais cedo e, desta vez, houve um motivo extra a justificar a antecipação: os oceanos sequestram menos carbono do que se pensava.
Se o planeta fosse uma conta bancária de recursos naturais, 24 de julho de 2025 seria o dia em que esgotámos o saldo disponível para este ano. A partir daí, tudo o que usamos – da madeira à água, do solo fértil à absorção de CO₂ – é a crédito ecológico.
O nome oficial deste marco é Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) e, em 2025, chegou oito dias mais cedo do que no ano passado. Para Portugal, o sinal de alarme soou ainda antes: 5 de maio, 21 dias antes da data de 2024.
Mas o que representa, exatamente, o Dia da Sobrecarga da Terra? E o que nos diz este avanço no calendário?
O que é o Dia da Sobrecarga da Terra?
É a data simbólica que marca o momento em que a humanidade esgota os recursos naturais que o planeta consegue regenerar num ano inteiro. A partir daí, vivemos além da capacidade ecológica da Terra: continuamos a consumir, mas à custa de erosão dos solos, sobre-exploração dos ecossistemas, perda de biodiversidade e acumulação de dióxido de carbono na atmosfera.
Este cálculo é feito todos os anos pela organização internacional Global Footprint Network (GFN), com base nas Contas Nacionais da Pegada Ecológica e da Biocapacidade – atualmente produzidas pela Universidade de York.
A equação que determina esta data é simples:
Na prática, a pegada ecológica mede a quantidade de recursos que usamos e de emissões que geramos, enquanto a biocapacidade mede a capacidade dos ecossistemas para regenerar esses recursos e absorver as emissões.
Porque é que a data chegou mais cedo este ano?
A antecipação de oito dias em relação a 2024 não significa, por si só, que começámos a consumir muito mais de um ano para o outro. O fator decisivo, em 2025, foi a revisão de dados, sobretudo um ajuste importante na capacidade de sequestro de carbono dos oceanos.
Durante anos, os modelos assumiram que os oceanos conseguiam absorver uma determinada quantidade de CO₂ emitido pelas atividades humanas. Mas os dados mais recentes mostram que essa capacidade é, afinal, menor do que se pensava. O impacto? A pegada ecológica global é mais pesada e o Dia da Sobrecarga chega mais cedo.
Sete dos oito dias de avanço devem-se a essa revisão de dados, a que se somam ligeiros aumentos da pegada per capita e ligeiras reduções da biocapacidade global média.
E Portugal?
Se toda a população mundial vivesse como os portugueses, o planeta teria esgotado mais cedo os recursos naturais disponíveis para 2025 – a 5 de maio. Este ano, Portugal atingiu o Dia da Sobrecarga 21 dias mais cedo do que em 2024.
Contudo, isto não significa que o consumo nacional de recursos tenha aumentado drasticamente. Segundo a própria Global Footprint Network, se considerássemos apenas o comportamento dos portugueses, a data de sobrecarga seria 29 de maio – um dia mais tarde do que no ano passado. O problema é que os novos dados sobre a absorção de CO₂ pelos oceanos impactaram fortemente o cálculo, antecipando bastante o resultado final.
Ou seja, Portugal até reduziu ligeiramente a sua pegada, mas isso não foi suficiente para compensar o novo quadro global.
Onde estamos a gastar mais?
Segundo a associação ambientalista ZERO, parceira da GFN em Portugal, dois grandes setores explicam boa parte da pegada nacional:
- Alimentação: representa cerca de 30% da pegada ecológica nacional, considerando toda a cadeia – da produção ao consumo, passando pelo desperdício.
- Mobilidade: responsável por 18%, é impulsionada pelo uso de transporte individual e pela dependência dos combustíveis fósseis.
Estes são, assim, dois dos domínios com maior potencial de mudança – quer por via de políticas públicas, quer por escolhas individuais e empresariais.
Uma dívida acumulada
A Global Footprint Network lembra que esta sobrecarga ecológica não é recente. Começou nos anos 1970 e, desde então, os défices anuais foram-se acumulando. Em 2025, a humanidade já “deve” à Terra o equivalente a 22 anos de produtividade biológica total. Mesmo que parássemos hoje todos os danos, não é garantido que esta dívida ecológica fosse totalmente reversível.
A mensagem é clara: a sobrecarga não pode durar para sempre. Como afirma Mathis Wackernagel, fundador da GFN, ela acabará “by design or by disaster” – isto é, ou vamos reduzi-la de forma planeada, ou vamos ser forçados a parar por via de catástrofes.
Há soluções?
Sim. A campanha da GFN propõe o movimento #MoveTheDate, centrado em cinco áreas-chave: cidades, energia, alimentação, população e planeta.
Alguns exemplos com impacto direto:
- Reduzir para metade as emissões de CO₂ fósseis: atrasaria o Dia da Sobrecarga em três meses;
- Reduzir o desperdício alimentar global para metade: atrasaria em 13 dias;
- Adotar dietas com menos produtos de origem animal: atrasaria em 17 dias.
O ano de 2025 marca um quarto do século XXI, e, até agora, temos vivido com os indicadores no vermelho. Com uma sobrecarga que já se acumula há mais de 50 anos e um planeta que já não aguenta mais promessas, é tempo de reequilibrar a conta.
A boa notícia? Temos as ferramentas. A má notícia? Estamos a esgotar o tempo tão depressa quanto os recursos.