Escola: o regresso ao papel para melhorar a aprendizagem

21 de Setembro 2023

No relatório “Tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem?”, a UNESCO alerta para os riscos do uso dos meios digitais nas escolas. A Suécia antecipou-se e já está a regressar ao papel. Em Portugal, o ministro da Educação, João Costa, afirma que está atento e a avançar com muitas cautelas na medida dos manuais digitais.

Mais um ano letivo que começa, trazendo consigo múltiplas questões sobre estratégias para potenciar a aprendizagem das crianças e adolescentes, bem como o seu bem-estar, a sua saúde física e mental e o desejado sucesso escolar.

Uma questão incontornável, que mexe com todos estes aspetos e que está na ordem do dia, é o impacto da utilização dos meios digitais em contexto escolar, quando são cada vez mais as evidências que demonstram a superioridade do papel na aprendizagem, nomeadamente ao nível da compreensão de textos, pensamento abstrato e capacidade de concentração e memorização.

 Alertas da UNESCO

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) fez um alerta para que os países avaliem cuidadosamente a forma como a tecnologia é utilizada nas escolas. No seu relatório “Tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem?”, apresentado no final de julho, é sublinhada a necessidade de uma “visão centrada no ser humano”, em que a tecnologia digital sirva de ferramenta em vez de ter um lugar central.

Segundo o relatório, “existem poucas evidências robustas do valor da tecnologia digital na educação. A tecnologia evolui mais rápido do que é possível avaliá-la: produtos de tecnologia aplicados à educação mudam a cada 36 meses, em média.” Além disso, alerta, “boa parte das evidências são produzidas pelos que estão a tentar vendê-las.”

A UNESCO aponta ainda que “a tecnologia pode ter um impacto negativo se for inadequada ou excessiva. Dados de avaliações internacionais em larga escala, tais como os fornecidos pelo Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Programme for International Student Assessment – PISA), sugerem uma correlação negativa entre o uso excessivo das Tecnologias de informação e comunicação (TIC) e o desempenho académico”. E acrescenta: “Ficou demonstrado que a simples proximidade de um telemóvel é suficiente para distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem, o que se verificou em 14 países.”

Suécia regressa ao papel

A Suécia antecipou-se ao apelo da UNESCO e, neste início de ano letivo, as crianças estão a encontrar, nas salas de aula, uma nova realidade: o regresso aos tradicionais livros e cadernos. O tempo dedicado à leitura silenciosa de livros impressos e à prática da escrita em papel vai ser reforçado, ao mesmo tempo que serão reduzidos os períodos de pesquisa autónoma online, de atividades em tablets e de escrita em teclado.

A estratégia de implementação de uma educação 100% digital, que teve início na década de 1990, foi abandonada, tendo a Agência Nacional Sueca para a Educação investido este ano 45 milhões de euros em livros físicos a distribuir pelas escolas. “Há provas científicas claras de que as ferramentas digitais prejudicam, em vez de melhorarem, a aprendizagem dos alunos”, pode ler-se numa declaração do Instituto Karolinska, da Suécia, emitida em agosto.

Lotta Edholm, ministra sueca de educação, questionou, em dezembro de 2022, numa coluna no jornal Expressen, “a atitude acrítica que levou a assumir, de forma despreocupada, a digitalização como boa, independentemente do contexto” e defendeu que “o livro físico tem benefícios que nenhum tablet pode substituir”.

Uma das razões que acabou por sustentar a decisão de voltar a dar primazia aos livros em papel, na Suécia, foi o declínio dos resultados no estudo internacional sobre Literacia em Leitura (PIRLS) de 2021. Este estudo, permite avaliar tendências no grau de literacia dos alunos do 4º ano de escolaridade em dezenas de países. Os alunos suecos mostraram um decréscimo de competências ao nível da leitura e da compreensão de textos, relativamente à avaliação anterior.

 Exemplos de outros países em busca do equilíbrio

O Governo norueguês lançou-se numa avaliação profunda sobre os efeitos da tecnologia na forma como os alunos aprendem. Em abril deste ano, criou uma comissão que irá reunir e sintetizar o conhecimento científico existente nesta área, bem como fazer uma proposta com medidas concretas no âmbito da utilização de ecrãs.

O Ministério da Educação norueguês quer perceber o impacto dos meios digitais na aprendizagem e na capacidade de concentração dos alunos, mas também na qualidade do seu sono e saúde mental. “Precisamos de ter conhecimento sobre estas questões para encontrar um bom equilíbrio entre o digital e o analógico”, afirmou a ministra da educação norueguesa, Tonje Brenna.

Em França os telemóveis, tablets e até smartwatches já tinham sido banidos das escolas, em 2018, por serem considerados negativos para o ambiente de aprendizagem. Neste ano letivo, os Países Baixos seguiram o exemplo francês, proibindo os três tipos de aparelhos.

 “Estamos a ir com muitas cautelas”, revela o ministro da educação português

Em entrevista à Visão, publicada no passado dia 14 de setembro, João Costa, ministro da Educação, afirmou que o governo está a avançar “com muitas cautelas” no projeto de dotar todos os alunos e escolas com manuais digitais e que, para já, não quer falar de prazos.

Em Portugal, no ano letivo que agora começa, mais de 20 mil alunos do 3º ao 12º ano de escolaridade vão estudar com manuais digitais. Estão integrados na 4ª fase do Projeto-piloto Manuais Digitais, lançado pelo Governo para substituir gradualmente os manuais em papel. Há 160 escolas e 1153 turmas envolvidas. O projeto-piloto Manuais Digitais decorre do Plano de Ação para a Transição Digital, aprovado em 2020.

“Estamos a prosseguir o projeto-piloto para perceber exatamente os vários pontos críticos – e um deles é, por exemplo, o 1º Ciclo”. O ministro considerou que “é importante não haver precipitações. Há muitas dimensões que se trabalham no 1º ciclo que têm a ver com a leitura em diferentes formatos, com a motricidade fina, (…) que talvez não aconselhem a que venhamos a ter manuais digitais”.

João Costa declarou ainda que o Ministério da Educação está atento ao que se vai passando nos sistemas de ensino de outros países, nomeadamente na Suécia: “Estou aqui, com as nossas equipas, a acompanhar esses movimentos noutros países, a conhecer as suas avaliações, para, de facto, não nos precipitarmos.”

Os alunos do 4º ano mostraram um decréscimo de competências ao nível da leitura e da compreensão de textos, no estudo internacional sobre Literacia em Leitura (PIRLS) de 2021. Uma das razões que sustentou a decisão de voltar a dar primazia aos livros em papel, na Suécia.

Para saber mais sobre o relatório da UNESCO: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147