“Escutámos um sentimento de revolta perante o abandono da floresta”

17 de Outubro 2025

Como identificar perceções? É possível medi-las ou quantificá-las? Pedro Dionísio, professor catedrático do ISCTE e coordenador do estudo “Para além das perceções sobre a floresta e o eucalipto”, desvenda os bastidores deste trabalho – elaborado pelo FutureCast Lab do ISCTE –, e as metodologias que lhe garantem robustez e suporte científico.

Quais os principais objetivos que orientaram este estudo?

O principal objetivo foi a identificação das perceções de diferentes públicos relativamente à floresta em geral e ao eucalipto em particular. Ou seja, perceber não só como os portugueses olham para a floresta, mas ir mais longe e entender como veem esta espécie. Outro objetivo passou por revelar quais as medidas consideradas relevantes, por uma amostra representativa da sociedade portuguesa, para uma melhor gestão da floresta.

O tema trouxe à vossa equipa algum desafio específico?

Não foi um estudo complicado. Os maiores desafios surgem quando não há respondentes, quando é difícil encontrar pessoas com o perfil que pretendemos. Em relação à floresta, não se põe essa questão. Nas reuniões dos focus groups houve algumas discussões mais acaloradas, mas não se pode dizer que isso tenha sido uma dificuldade.

Que tipo de discussões?

Assistimos a uma grande indignação e à expressão de sentimentos de impotência porque, diziam os participantes, os governos mudam, mas a situação da floresta, relativamente aos incêndios, não melhora. E também sentimentos de revolta, face à realidade das áreas florestais deixadas ao abandono. Quem cuida e cumpre as exigências legais acaba, muitas vezes, por ser prejudicado por quem abandona. Esse foi o principal motivo para uma certa revolta que pudemos testemunhar.

Nessas reuniões, o tom era mais frequentemente de desacordo ou de consenso?

Lembro-me que todos os participantes estavam de acordo quanto à necessidade de gerir a floresta para diminuir os riscos. Bombeiros e representantes da proteção civil demonstraram uma consciência muito clara da diferença enorme que existe, do ponto de vista do combate aos incêndios, entre uma floresta tratada e uma floresta não tratada.

E quanto ao que fazer?

Foi consensual a ideia da urgência de uma política, ou de acordo de longo prazo para conseguir criar valor para o setor. A floresta está abandonada porque não é rentável e não é rentável porque está abandonada. Há uma clara unanimidade na necessidade de quebrar este ciclo.

A equipa notou diferenças acentuadas entre as perceções de quem está ligado à floresta e as da opinião pública em geral?

O problema maior é que a floresta acaba por ser mediatizada apenas quando há incêndios. Diaboliza-se o eucalipto, quando as pessoas que conhecem a floresta garantem que o problema não é uma espécie, mas sim a falta de gestão – e isso ficou claro nas discussões ao longo do trabalho.

O que escutaram nesta matéria?

O desordenamento e falta de gestão foram apontados como principal problema. Os bombeiros são os primeiros a sublinhar o problema e diziam-nos que é impossível entrar em certas zonas, devido à falta de gestão ativa. Em regiões com floresta, esta consciência da importância da gestão como fator de diminuição de riscos é muito presente e generalizada. As pessoas sabem que os grandes incêndios têm a ver sobretudo com esse aspeto e não com esta ou aquela espécie.

Este lado do estudo, que escutou “o que fazer”, é que justificou o título?

Sim, exatamente. “Para além das perceções sobre a floresta e o eucalipto” porque se pretendeu, precisamente, “ir além” das perceções. Ou seja, incluir a identificação das estratégias e medidas que os participantes defendem como potencialmente benéficas para uma melhor floresta. Uma das ideias amplamente defendidas, por exemplo, é que é preferível termos florestas plantadas com várias espécies e bem geridas do que áreas de mato, sem gestão e que aportam pouco valor.

Que metodologias foram usadas neste estudo?

Procurámos ter uma abordagem qualitativa e uma abordagem quantitativa e, para tal, usámos diferentes ferramentas. A primeira foi a realização dos focus groups – reuniões nas quais participaram oito a dez pessoas, com um moderador. Fizemos também entrevistas individuais, ainda na componente da abordagem qualitativa, junto de stakeholders especializados, tais como professores universitários ou ambientalistas, cujas perspetivas enriqueceram o estudo e foram importantes para a construção de um questionário adequado, que permitisse responder aos nossos objetivos.

O questionário foi o que serviu de base ao estudo quantitativo?

Exato. Nesta abordagem quantitativa, procurámos uma representatividade nacional, de norte a sul do país.

Estas diversas ferramentas costumam ser utilizadas em complemento, neste tipo de estudos?

Sim, se quisermos, como era o caso, ter uma visão que pode dizer-se 360° e uma perspetiva multifacetada. Avaliámos de uma forma quantitativa aspetos que foram levantados no estudo qualitativo e isso dá-nos resultados bastante abrangentes.

👉 Saiba mais sobre o estudo “Para além das perceções sobre a floresta e o eucalipto” aqui.