Na mais recente edição da revista My Planet, totalmente dedicada ao tema da Incerteza, quisemos entender como é possível superá-la e transformá-la numa oportunidade. A atleta Patrícia Mamona conta-nos como faz da imprevisibilidade do resultado um motivo para correr mais.
Tóquio, Jogos Olímpicos, 2021. Um ano depois do previsto, por conta da pandemia, do confinamento, do mundo virado de pernas para o ar. Mas o exato momento em que estamos agora é o do triplo salto que haveria de dar a medalha de prata a Patrícia Mamona. E no qual o primeiro pulo é mental. Libertar o corpo das amarras das preocupações, das incertezas. Dos tempos em casa sem saber quando será o próximo treino. Agora, ali mesmo à frente, está a pista, a corrida e o salto. É uma visão em túnel. É o “pensar em nada, literalmente”, diz a atleta.
Como é possível pensar em nada? Patrícia Mamona recorda esse salto olímpico: “Estava tão centrada naquele momento que talvez tenha sido a primeira vez que consegui pensar em nada. Apenas naquele tempo e espaço, naquele salto”. De tal forma que, quando “aterrou” na caixa de areia, no fim de um voo de 15,01 m, nem percebeu de imediato o alcance do que acabara de acontecer: “A primeira reação foi a de que não tinha feito nada de especial; só depois, quando vi a marca, tomei consciência do que tinha conseguido”. A medalha de prata e o melhor resultado português de sempre no triplo salto feminino.
Este episódio mostra como, para um atleta de alta competição, o “tiro de partida” tem o sabor de uma chegada. Porque antes há uma vida de preparação, “perseverança e trabalho”, como nos diz. Aquele “pensar em nada” afinal não vem do nada… “Para isso muito contribuiu o trabalho de preparação mental, incluindo a meditação”, que integra a rotina de treinos. Em Tóquio, a preparação psicológica, que complementa o trabalho físico, permitiu enfrentar a ansiedade e a incerteza do resultado, um estado inerente ao atletismo, ao desporto e a quase tudo na vida: “Durante a prova, estava focada naquele momento. Só isso. Pensava – ‘a minha meta não está em lado nenhum, está tão somente em saltar o mais longe possível’”.
Planear, preparar, insistir
Se olharmos para onde tudo começou, a vida de Patrícia Mamona é um testemunho permanente de foco em objetivos. Aos 11 anos, escapava de casa para ir correr. Treinava às escondidas, porque a ideia dos pais para o seu futuro não era exatamente aquela. Preferiam, na altura, que se focasse nos estudos, como porta de acesso a uma carreira e a uma vida confortável.
E as aulas até corriam bem: “Por incrível que pareça, fui sempre uma menina muito certinha e, também por isso, não queria que eles descobrissem que andava a fazer uma coisa que não estava nos planos que tinham para mim”, lembra Patrícia Mamona, que a esta distância se permite brincar com o assunto: “Já nessa altura tinha de apostar numa boa planificação, para conseguir sair de casa sem ser apanhada!”.
“A verdade é que eu sabia que aquela era a única coisa certa para mim”, reflete. “Vi sempre o atletismo como uma expressão daquilo que eu sou. Fiz karaté, ballet, também tinha jeito para o futebol, mas sempre vi qualquer coisa no atletismo que me fazia dizer ‘isto sou eu’. E fui à procura disso”.
“Todo o meu percurso é feito de correr com o coração”, explica. “Por exemplo, no início toda a gente me dizia para não ir para o triplo salto por causa da minha altura, mas era isso que eu queria, era isso que eu sentia”, diz a atleta, 1,66 m de altura e 15,01 m de recorde nacional.
Desde quando saía para correr às escondidas dos pais, até aos anos em que viveu sozinha nos Estados Unidos para estudar Medicina, Patrícia Mamona aparenta conviver bem com o desafio: “Adoro sair da zona de conforto. E a incerteza tem esse dom… estou confortável em estar desconfortável”. E é bem assertiva na conclusão do raciocínio: “Os atletas que conseguem evoluir são aqueles que conseguem sair para fora da caixa”.
A incerteza que faz correr
Patrícia Mamona aborda a incerteza como um processo de construção e nunca como um fator limitador: “Agarro-me sempre ao lado positivo e à possibilidade de tudo poder correr bem. Nesse aspeto, a incerteza não me limita, bem pelo contrário, faz-me trabalhar mais”.
A experiência da alta competição tem sido crucial. O facto de estar a trabalhar “sem garantia de ter este ou aquele resultado, acabou por me preparar para o resto da minha vida, para as incertezas com que todos lidamos”, refere a atleta, que exemplifica com tudo o que aconteceu durante os confinamentos da pandemia – e o impacto brutal que eles tiveram na rotina exigente de um atleta de alta competição: “Tenho uma noção muito clara da importância da análise e da preparação, pelo que me foquei em desenvolver um mindset para aquela situação e em pensar como iria ultrapassá-la”.
E a capacidade de olhar para o lado de oportunidade: “Sabia que aquela era a altura ideal para me preparar – para ganhar novas aptidões para enfrentar aquela crise e aquela incerteza. Como treinar em casa? Como ajustar isto tudo? Era preciso procurar em todo o lado, ser mais criativa. Nestas alturas, temos de desenvolver novas ferramentas para enfrentar aquilo que também é novo.”
“Perguntam-me como consigo ser tão positiva, e eu digo que nestes momentos de incerteza estou a desenvolver-me enquanto pessoa e enquanto atleta. Estou a conhecer-me. Se nunca tivesse sido exposta a este tipo de coisas, nunca iria saber aquilo que sei hoje”, conclui.