O regresso à hora de inverno

25 de Outubro 2022

O último fim de semana de outubro marca, mais uma vez, a entrada no horário de inverno. A mudança bianual da hora tem mais de cem anos, mas está longe de ser um assunto consensual. De cada vez que é necessário atrasar ou adiantar o relógio, a discussão sobre os prós e contras da mudança é reaberta.

A mudança acontece sempre no último fim de semana de outubro, na noite de sábado para domingo. Este ano, a hora legal em Portugal continental será atrasada 60 minutos às 2 horas do dia 30. A hora de inverno manter-se-á até à madrugada do último domingo de março de 2023 – nessa madrugada os relógios serão adiantados e daremos as boas-vindas à hora de verão.

Temos assim o ano dividido em dois períodos, aplicando-se o horário de inverno durante cinco meses (do fim de outubro ao fim de março) e o de verão durante sete meses (do fim de março ao fim de outubro). Este ritmo é ditado por uma diretiva comunitária de 2000 que se aplica a todos os Estados-Membros. Mas em Portugal a mudança da hora já era uma constante há várias décadas.

A história da mudança da hora

Em 1916, vários países europeus, incluindo Portugal, seguiram a Alemanha numa medida inédita de alteração da hora. O contexto era de crise, com a Primeira Guerra Mundial ainda sem fim à vista, e o argumento da poupança de energia foi decisivo. Os relógios foram adiantados uma hora (na Alemanha em abril, em Portugal apenas em junho) e adotada pela primeira vez a hora de verão. A ideia era que os gastos com iluminação pudessem ser reduzidos, permitindo que se usufruísse da luz solar por mais tempo, ao final do dia.

Terminada a guerra, ao contrário do que aconteceu na maioria dos países, Portugal manteve a medida, regressando à hora do meridiano de Greenwich a cada início do outono e adiantando de novo os relógios no princípio da primavera.

Em 106 anos, este ritmo foi quebrado poucas vezes. Segundo os registos do Observatório Astronómico de Lisboa, tal aconteceu apenas:

  • Durante os anos 1922, 1923, 1925, 1930 e 1933, anos em que não houve mudança para a hora de verão;
  • Entre 1967 e 1975, período em que se manteve a hora de verão durante todo o ano;
  • Entre 1992 e 1996. Em 1992 não houve o “atraso” habitual, em outubro, para a hora de inverno. Mas em 1993 voltou a adiantar-se o relógio no fim de março, ou seja, a hora de verão ficou adiantada duas horas em relação ao meridiano de Greenwich. Até 1996, houve mudanças de hora em março e outubro, mas sempre com a hora de verão adiantada duas horas e a de inverno uma em relação ao meridiano de referência.

As horas da polémica

Poder-se-ia pensar que, com mais de 100 anos de história, a mudança da hora já não causasse estranheza. Mas, na verdade, esta nunca foi uma questão consensual e ainda hoje suscita acaloradas discussões e trocas de argumentos. De um lado os que acham que a hora de verão deveria ser mantida durante todo o ano — uma forma de haver mais luz solar ao final da tarde, durante os meses em que os dias são mais curtos. Do outro, os que pensam que é benéfico o regresso à hora de inverno, por forma a que, de manhã, as idas para o trabalho e para a escola não se façam no escuro, antes do nascer do sol.

Havendo prós e contras nos dois cenários e mexendo a questão com a qualidade de vida dos cidadãos, a União Europeia promoveu uma consulta pública em 2018, junto de todos os Estados-Membros. Houve 4,6 milhões de participações e 84% foram a favor do fim das mudanças bianuais da hora. De referir que apenas 0,7% das respostas foram portuguesas, enquanto, por exemplo, 68% de participações pertenceram a cidadãos alemães.

Na sequência dos resultados, em 2019, o Parlamento Europeu aprovou o fim da mudança da hora, devendo cada país comunicar até 2020 qual o horário que iria adotar e fazer uma última mudança nesse sentido em 2021. Mas divergências entre os Estados-Membros vieram adiar a decisão. E, até hoje, a mudança da hora mantém-se inalterada: duas vezes por ano, de acordo com a diretiva de 2000.

Argumentos relacionados com a saúde, com a sinistralidade rodoviária ou com a poupança de energia, são normalmente usados por quem quer pôr fim à mudança da hora. A Comissão Europeia passou em revista, em 2018, inúmeros estudos sobre a questão e não encontrou conclusões definitivas face a nenhuma das soluções. Nem mesmo para a poupança de energia, a principal razão que levou à primeira mudança da hora. Apenas uma certeza pareceu inquestionável: “A autorização de proceder à mudança da hora de forma não coordenada entre os Estados-Membros seria prejudicial para o mercado interno”.

Em Portugal, a mudança é para manter

Já o primeiro-ministro português, António Costa, anunciou, em 2018, que, apesar do resultado da consulta europeia, Portugal continuaria a mudar a hora duas vezes por ano. A decisão baseou-se num parecer pedido ao Observatório Astronómico de Lisboa, segundo o qual será mais benéfico para os portugueses a manutenção da mudança bianual.

A ideia de pôr fim à hora de inverno, defende o autor do parecer, Rui Jorge Agostinho, terá consequências negativas. “Levaria a que o nascer do sol acontecesse perto ou depois das 8h00m entre meados de outubro e meados de março. (…) O despertar da população aconteceria com as estrelas ainda no céu, durante 40% do ano. O país teve uma situação assim, de 1967 a 1975, e abandonou-a devido ao desconforto causado”, pode ler-se no documento. A única alteração recomendada é que a hora de inverno deveria passar a ser adotada em setembro, em vez de outubro, passando a vigorar durante seis meses, em vez de cinco.

Concordemos ou não, o fim da mudança da hora não está na agenda. E, assim, é pela hora de inverno que nos regeremos nos próximos meses. O importante será procurar aproveitar da melhor forma e, ao ritmo de cada um, os benefícios da luz solar.