Podemos rir de tudo, até da incerteza da vida. É o que dizem Hugo van der Ding e António Raminhos, a quem desafiámos a refletir sobre o poder do humor. O resultado foi uma conversa onde entraram emoções, estratégias para lidar com as crises do mundo atual e, claro, algumas gargalhadas.
Nem todos temos a capacidade de olhar à volta e escolher o lado cómico e divertido da vida. Sobretudo em momentos tristes ou trágicos. Nem todos sabemos fazer rir, mas todos beneficiamos com o riso e o seu poderoso efeito terapêutico, há muito estudado pela ciência. Hugo van der Ding e António Raminhos encontraram no humor, muito cedo na vida, uma forma de chegar aos outros. E a eles próprios.
“A palavra humor não remete para comédia, remete para emoções”, afirma António Raminhos, recentrando a conversa. “Dizemos ‘estar de mau humor’ e falamos de ‘alterações de humor’. O humor tem a ver com emoções e é isso que o torna poderoso.”
Mas que poder é esse? Que efeito tem em nós? “É biológico”, diz Hugo van der Ding. “Consigo perceber a vantagem evolutiva. Quando é difícil lidar com uma emoção, o humor pode servir para desviar o foco ou aliviar. Em situações extremas, o riso provoca uma descarga que nos ajuda a aguentar. Por exemplo, as piadas em funerais têm uma função importante.”
O humor permite pôr em perspetiva aquilo que é difícil de encarar
Ao efeito “analgésico” do riso, Hugo van der Ding acrescenta: “Ajuda-nos a pôr em perspetiva. Revela-nos que tudo tem um lado ridículo. A própria morte e a forma como a encaramos é absurda. Se dermos dois passos atrás, entendemos que todos os seres vivos morrem. Nós fazemos disso um acontecimento, vestimo-nos de preto, construímos mausoléus e pirâmides – nós somos absurdos! O riso pode trazer-nos essa capacidade de distanciamento.”
António Raminhos partilha esta ideia: “Não é por acaso que quando acontecem grandes tragédias surgem de imediato uma série de anedotas. São formas de desconstruir, de tirar algum peso a algo que é muito negativo. É uma maneira de exorcizar.”
Mais do que alívio, partilhar uma gargalhada pode trazer igualmente algum sentido a quem a produz. “Serve também para meu benefício, sem dúvida”, afirma António Raminhos. “Um benefício que vem de sentir que estou a aliviar os outros. Traz-nos um conforto e também nos trabalha. Enquanto humorista, sinto que o prazer vem de oferecer boa disposição às pessoas.”
Como rir em tempos de crise e achar graça a um futuro incerto?
Hugo van der Ding:
“Alterações climáticas, pandemia, guerra… Há uma ansiedade, sem dúvida, provocada por este contexto. Em relação à guerra e aos problemas económicos, a minha visão histórica do mundo ajuda-me a não ser completamente pessimista. Nada disto é novo e tudo é cíclico. A história da Europa é feita de países a invadir países. Todas as nações têm invasões na sua história.
Em relação às alterações climáticas, tenho um pouco mais de dificuldade, confesso. Para já, porque me dou mal com o calor. Ia adorar que fosse um arrefecimento global (risos). Morriam animais diferentes e toda a gente gosta mais dos animais do frio do que do calor. Basta pensar no urso polar e na cobra. Mas sim, preocupa-me, claro. É horrível. Estamos num período em que todas as soluções encontradas são como um cobertor demasiado curto – puxamos de um lado, destapamos do outro. Mas como sou fascinado com efemérides, penso ‘Que luxo! De todas as épocas históricas possíveis, estarmos a viver na última!’ (risos)”
“O humor, em boa verdade, é uma arma muito poderosa de afirmação.”
Hugo van der Ding
António Raminhos:
“As questões ambientais assustam, claro. Tento não pensar muito. Mas cada vez tenho mais consciência da importância de dar valor a cada momento. Procuro estar cada vez mais presente. É uma coisa que me custava, e, às vezes, ainda custa. Estar presente em momentos muito simples. Quando estou com as minhas filhas, estar mesmo. Olhar para elas nos olhos e sentir ‘estou aqui’. Lidar com a Perturbação Obsessivo-Compulsiva ensinou-me isso. Também não penso em termos de cura. A cura poderá estar no futuro, mas eu não quero viver a pensar no futuro. Eu quero é aprender a lidar com isto agora.
Em relação às crises, há os que pensam ‘isto é tudo uma m**da’ e ‘o mundo vai acabar’, e os que tentam melhorar alguma coisa hoje. Vai haver sempre os dois registos. As pessoas que têm mais consciência do caos procuram aproveitar o presente ao máximo, cuidando de si e dos outros. E depois há os que querem é embebedar-se forte e feio, continuar a fazer porcaria e lixar-se para os outros. Tem mais a ver com cada pessoa do que com a situação. Mas um contexto de crise pode ter um caráter libertador. No meu caso, claro que me ponho a beber todos os dias e não quero saber de mais nada (risos).”