Imaginação à solta na floresta

2 de Abril 2021

A floresta é um dos cenários mais comuns dos contos de fadas. Símbolo do mundo natural, é simultaneamente um reino mágico e um lugar de perigos à espreita, onde a imaginação ganha asas e as lições se aprendem.

Quando os contos de fadas foram contados pela primeira vez, e mesmo quando as tradições orais foram escritas, as terras do Norte e Oeste da Europa estavam cobertas de florestas densas, inspiradoras de mitos e lendas. Muitos dos famosos contos dos irmãos Grimm, por exemplo, têm como cenário a Floresta Negra, na Alemanha.

A floresta aparece nestas histórias como lugar de mistério e fantasia, onde as regras “normais” não se aplicam e, por isso, onde tudo pode acontecer.

Os heróis são enviados para o mundo desconhecido da floresta, e é muitas vezes lá que, imersos no mundo natural, aprendem o que precisam para saírem vitoriosos da aventura e derrotarem os vilões ou conquistarem as princesas.

No fundo, a floresta é um caminho que o personagem tem de percorrer para triunfar: ao entrar, não sabe como proceder ou o que fazer, mas quando sai tem já uma nova consciência de si próprio, acabando por conquistar os seus propósitos e a felicidade.

O pai da psicologia analítica, Carl Jung, afirmava que os aspetos assustadores da floresta que figuram nos contos de fadas simbolizam os perigos do inconsciente, nomeadamente a sua tendência para obscurecer e reprimir a razão. Assim, simbolicamente, aqueles que se perdem no caminho pela floresta desconhecida estão a perder o seu caminho na vida, deixando para trás a sua consciência e viajando para os reinos do subconsciente.

Uma opinião corroborada por Bruno Bettelheim, um dos grandes psicólogos infantis do século XX, que explorou o significado da floresta nos contos de fadas no seu mais conhecido livro, A psicanálise dos Contos de Fadas, no qual escreveu: “Desde os tempos antigos, a floresta onde nos perdemos simboliza o mundo escuro, escondido e quase impenetrável do nosso inconsciente. (…) Quando conseguimos encontrar o caminho emergimos com uma humanidade muito mais desenvolvida.”

Refúgio e segurança

A floresta é, assim, um lugar de transformação, onde o herói supera várias dificuldades e encontra o caminho de casa. Mas também representa um esconderijo seguro, onde os personagens se podem refugiar.

Em histórias como Robin dos Bosques, por exemplo, a floresta torna-se quase um santuário. Oferece refúgio para grandes heróis que, após um período de exílio forçado, ressurgem no mundo dos Homens para lutar por justiça. O tempo que passam na floresta pode ser interpretado como um rito de passagem ou um período de desenvolvimento pessoal.

Além disso, as florestas, tanto nos contos de fadas como na vida real, sempre foram fonte de alimento e outras matérias-primas indispensáveis à sobrevivência do Homem – ou de figuras antropomorfizadas.

Ainda hoje, a floresta permanece mágica para nós, talvez por “culpa” dos contos que nos leram em crianças. Ela é um refúgio da ordem instituída, do stresse do dia-a-dia, do excesso de trabalho. É um detox do mundo digital, do “sempre ligados”, do betão das cidades. Na floresta podemos deixar os nossos problemas para trás e, em comunhão com as árvores e com a natureza, regressar ao nosso eu primordial. Em cada um de nós vive um Capuchinho Vermelho disposto a ignorar as regras e enfrentar o lobo, ou um Hansel ou Gretel suficientemente astutos para derrotar a bruxa no seu próprio jogo.

Ao longo dos tempos e das histórias, são muitos os que encontraram refúgio na floresta. Incluindo animais que falam, gatos que usam botas, bruxas, duendes e fadas.

A versão da Bela Adormecida dos irmãos Grimm ilustra uma variante da tradicional jornada pela floresta: é a floresta que vai ter com a heroína e não o contrário. Quando a princesa e todos os habitantes do castelo caem num sono profundo, “começou a crescer em volta do castelo uma cerca viva de espinhos, que a cada ano se tornou mais alta, até que nada mais se conseguia ver, nem sequer a bandeira no telhado”.