Manuais escolares digitais continuam, mas com reticências

5 de Setembro 2024

O acesso de novas turmas aos manuais digitais está limitado, no ano letivo que agora começa, ao 2º e 3º ciclos. O impacto que têm nas aprendizagens vai, entretanto, ser avaliado de forma a decidir a sua continuidade a partir de 2025-2026.

Em vésperas do arranque de mais um ano letivo, a questão dos manuais escolares digitais, e dos seus efeitos, volta a estar na ordem do dia. Depois de ter sido entregue no parlamento, em abril passado, uma petição a pedir a suspensão do projeto-piloto através do qual têm sido introduzidos manuais digitais nas escolas públicas, a comunidade educativa aguardava com expectativa o que viria a acontecer neste ano.

Entretanto, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação revelou que o projeto-piloto vai manter-se, mas ressalvou que pretende realizar uma avaliação do seu impacto nas aprendizagens, para decidir a sua continuidade futura, a partir de 2025-2026. Anunciou também que, já este ano, haverá uma alteração relativa à abrangência do projeto: o ministério limitou ao 2º e 3º ciclos a possibilidade de novas turmas aderirem aos manuais digitais, ou seja, não poderão ser integradas novas turmas do 1º ciclo e do ensino secundário.

 

Preocupações com a aprendizagem e com a segurança

O projeto-piloto Manuais Digitais decorre do Plano de Ação para a Transição Digital, aprovado em 2020. Teve início no ano letivo 2020-2021 e abrangeu, em 2023-2024, 24 mil alunos do 3º ao 12º ano de escolaridade. Segundo dados da Direção-Geral da Educação, a maioria pertencia ao 3º (46,8%) e aos 2º ciclos (28,5%). O secundário (16,3%) e o 1º ciclo (8,4%) foram os menos abrangidos pelo projeto e são agora os que estão limitados na adesão de novas turmas.

A petição “Contra a excessiva digitalização no ensino e a massificação dos manuais escolares digitais”, entregue no parlamento em abril passado, conta atualmente com mais de seis mil assinaturas. Apontando evidências científicas para a existência de atrasos na aprendizagem associados ao uso excessivo de ecrãs em contexto educativo, os autores sublinham ainda os riscos do acesso dos alunos a conteúdos indevidos, para além da distração com canais de entretenimento disponíveis no mesmo suporte.

O que dizem os psicólogos?

Também nos Açores foi entregue uma petição, na Assembleia Legislativa daquela região autónoma, “Pelo regresso à utilização dos manuais em papel e utilização dos tablets e computadores como recurso de apoio”. O documento, de maio passado, conta com mais de dois mil subscritores e mereceu a emissão, no início de agosto, de um parecer pela Ordem dos Psicólogos, a pedido da Presidente da Comissão Especializada Permanente de Assuntos Sociais daquela Assembleia Legislativa. No documento, recomenda-se “uma abordagem mista – que integre dispositivos móveis (i.e., tablets, computadores) e metodologias convencionais (manuais em papel), considerando e ponderando a evidência documentada de um conjunto de benefícios e desvantagens da tecnologia e dispositivos móveis”.

O documento ressalva, no entanto, que “a utilização de dispositivos móveis deve ser sempre ponderada em função do tempo recomendado de utilização de ecrãs nas diferentes faixas etárias. E recorda esses limites, apontados pela Organização Mundial da Saúde (2019), pela Academia Americana de Pediatria (2022) e pela Associação Americana de Psicologia (2019). Estas instituições de referência aconselham:

⏰Um máximo de uma hora por dia para crianças em idade pré-escolar (cujas aprendizagens e desenvolvimento cognitivo e social decorrem, sobretudo, da interação social);

⏰Duas horas por dia para crianças dos 6 aos 12 anos (com limites consistentes no tipo de conteúdos visualizados e privilegiando atividades escolares ou extracurriculares);

⏰E duas a três horas por dia para crianças a partir dos 12 anos (fase em que a criança começa a desenvolver a sua autonomia e o tipo de utilização começa a ganhar preponderância face ao tempo de uso).

Recorde-se que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) fez também um alerta, no ano passado, para que os países avaliem cuidadosamente a forma como a tecnologia é utilizada nas escolas. No seu relatório “Tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem?” é sublinhada a necessidade de uma “visão centrada no ser humano”, em que a tecnologia digital sirva de ferramenta em vez de ter um lugar central.

A Ordem dos Psicólogos recomenda uma abordagem mista – que integre dispositivos móveis e manuais em papel. Mas alerta que deve ser sempre ponderado o tempo recomendado de utilização de ecrãs para as diferentes faixas etárias.