Missão: salvar a águia-caçadeira

21 de Outubro 2024

A sobrevivência da águia-caçadeira em Portugal está em risco. A boa notícia é que já foram iniciados esforços para impedir o seu desaparecimento.

A águia-caçadeira (Circus pygargus), também conhecida como tartaranhão-caçador, está no limiar da extinção em Portugal. A sua população sofreu um declínio de cerca de 80% em apenas 10 anos. Segundo o 1º Censo Nacional da Águia-caçadeira, realizado em 2022-2023, a população portuguesa desta espécie situa-se entre os 119 e os 207 casais. As estimativas anteriores, realizadas em 2012, apontavam para a existência de 500 a 1000 casais. A espécie, que era bastante comum em território nacional, está agora classificada como “Em Perigo”.

A principal causa do declínio acentuado da águia-caçadeira está relacionada com a mudança de ocupação dos solos agrícolas, segundo demonstra uma investigação publicada em setembro deste ano, na revista Conservation Science and Practice. O estudo foi liderado por investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO), da Universidade do Porto, em colaboração com a Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural e com o Concelho Superior de Investigações Científicas (CSIC) de Espanha. Perceber as razões que estão a afetar a espécie é um passo fundamental para se traçar estratégias que possam evitar a sua extinção no nosso país.

Uma águia que depende das searas

Na Europa, a águia-caçadeira depende das culturas de cereais para construção dos seus ninhos: é que, ao contrário da generalidade das águias, esta espécie nidifica no solo, em áreas abertas, maioritariamente no interior das searas. Ora o nosso país registou, nos últimos 30 anos, um quase total abandono da produção de cereais como alimento de gado bovino. As searas foram substituídas pelas culturas forrageiras (como os fenos de aveia), que agora representam mais de metade das terras aráveis do território continental. As águias têm sido atraídas para estas novas culturas, que não estão “sincronizadas” com os períodos de nidificação da espécie.

A águia-caçadeira é migradora e chega a Portugal no início de abril para nidificar. Em agosto, parte em nova viagem migratória rumo ao continente africano. Quando as aves chegam ao nosso país, as culturas forrageiras não só são preponderantes, como se encontram muito mais desenvolvidas do que as culturas de gramíneas (como o trigo), surgindo assim como mais atrativas. O que a águia-caçadeira não sabe é que as forrageiras serão cortadas mais cedo – o que acontece com frequência antes da eclosão dos ovos. Este corte em plena época reprodutora representa a destruição involuntária dos ninhos feitos no solo e constitui aquilo que os especialistas consideram uma “armadilha ecológica”.

Ninho de águia-caçadeira. Ao contrário da maioria das águias, esta espécie nidifica no solo, no interior das searas.

 

Projeto LIFE para salvar a águia-caçadeira

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) estabeleceu, em 2022, um Plano de Emergência para a Recuperação do Tartaranhão-caçador, que inclui o resgate de ovos para incubação ex-situ (fora do meio natural). É a primeira vez que esta intervenção decorre em Portugal para uma ave silvestre. Segundo o ICNF, desde o início do Plano, já foram libertados perto de 60 exemplares, nascidos em cativeiro.

A águia-caçadeira vai agora beneficiar de maiores esforços no sentido da sua conservação, com a aprovação do projeto LIFE SOS Pygargus. Com um orçamento total de quase 11 milhões de euros, 75% dos quais financiados pela União Europeia (UE), a iniciativa tem como principal objetivo a recuperação das populações nacionais e transfronteiriças de águia-caçadeira, em articulação com entidades do país vizinho. O projeto é coordenado pela Palombar e conta com 17 parceiros, onde se incluem conservacionistas, investigadores, agricultores, instituições públicas e privadas e empresas. Até dezembro de 2030, as equipas envolvidas vão trabalhar no sentido de:

🦅 Estabelecer uma adaptação das práticas agrícolas ao ciclo reprodutivo da espécie, promovendo o uso de variedades de cereais e forragens que são mais compatíveis com as suas necessidades ecológicas;

🦅 Reduzir significativamente a mortalidade e a destruição de ninhos, com uma meta de redução de 75% na mortalidade e aumento de 50% na população reprodutora;

🦅 Promover a consciencialização pública sobre a importância da conservação da águia-caçadeira. A espécie assume um papel fundamental nos ecossistemas, garantindo o seu equilíbrio e beneficiando também as comunidades rurais – nomeadamente os agricultores, pois alimenta-se de insetos e pequenos roedores que prejudicam as colheitas.

O Projeto LIFE SOS Pygargus é um esforço concertado e sem precedentes para salvar uma espécie icónica da paisagem das searas.

👉 A águia-caçadeira é uma das 253 espécies de fauna identificadas nas florestas geridas em Portugal pela The Navigator Company, mentora do projeto My Planet. Como todas as outras, beneficia da gestão sustentável implementada pela Companhia, na qual a conservação da biodiversidade é um valor prioritário.

Atraída pelas novas culturas forrageiras, que substituíram as gramíneas, a águia-caçadeira está a construir os seus ninhos em culturas que serão cortadas antes da eclosão dos ovos. O sucesso reprodutor da espécie fica assim comprometido.