No último domingo de outubro, atrasamos os relógios uma hora. Ganhamos sessenta minutos de sono, perdemos um pouco de luz à tarde e reacende-se o debate: faz ainda sentido mudar a hora duas vezes por ano?
A prática teve início há mais de um século, durante a Primeira Guerra Mundial. A ideia parecia luminosa – literalmente: adiantar os relógios na primavera para aproveitar melhor o sol e reduzir o consumo de energia. A medida foi sendo abandonada e retomada ao sabor das crises, regressando em força nos anos 1970, no contexto da crise do petróleo. Desde então, a Europa tem vivido ao ritmo de dois horários: o de verão e o de inverno.
Durante décadas, a mudança da hora foi sinónimo de eficiência energética. Menos luz acesa, menos eletricidade gasta. Mas os dados atuais contam outra história. Estudos realizados em vários países europeus mostram que a poupança é mínima — um efeito tão pequeno que já não serve como argumento sólido num continente onde a eficiência depende mais da tecnologia do que do relógio.
A Agência Alemã do Ambiente resume o paradoxo: o que se poupa em iluminação à noite, gasta-se em aquecimento nas manhãs frias da primavera e do outono.
O corpo, esse relógio que não se reinicia
Se o balanço energético é discutível, o impacto no organismo é bem mais evidente. Mesmo uma diferença de apenas uma hora pode perturbar o ritmo circadiano, ou seja, o relógio interno que regula o nosso sono, apetite, temperatura corporal e humor.
O corpo humano está programado para seguir o ciclo natural de luz e escuridão, e qualquer desfasamento tem efeitos em cadeia. Dormimos pior, acordamos com mais dificuldade e sentimos maior fadiga durante o dia. O resultado é uma sensação de “jet lag” involuntário, mesmo sem sair do país.
Na Dinamarca, por exemplo, um estudo mostrou que o número de casos de depressão aumenta cerca de 11% na semana seguinte à passagem para o horário de inverno. Outros trabalhos associam as mudanças de hora a irritabilidade, menor concentração e alterações de apetite.
A maioria das pessoas adapta-se em poucos dias, mas os especialistas lembram que o corpo humano não muda de hora por decreto.
Enquanto não há consenso… a hora continua a mudar
Em 2018, a Comissão Europeia propôs o fim das mudanças sazonais de hora, depois de uma consulta pública que reuniu cerca de 4,6 milhões de respostas, das quais 84% a favor da abolição. O Parlamento Europeu apoiou a proposta no ano seguinte, mas o processo ficou em suspenso por falta de acordo entre os Estados-Membros. O único consenso parece ser o de que proceder à mudança da hora de forma não coordenada entre os Estados-Membros seria prejudicial para o mercado interno.
Alguns países alertaram para o risco dessa descoordenação, com vizinhos a adotar horários diferentes e consequências para o transporte, o comércio e a vida quotidiana. Desde então, o dossiê mantém-se parado em Bruxelas. O tema regressa pontualmente ao debate público, mas a União Europeia continua sem uma decisão sobre o futuro da mudança da hora.
As posições dividem-se: Itália defende tornar o horário de verão permanente, invocando possíveis benefícios energéticos e ambientais, enquanto países como a Espanha e a Dinamarca preferem o horário de inverno, mais coerente com o ciclo solar natural.
O impasse é também geográfico. A União Europeia estende-se por três fusos horários, e o que pode ser benéfico para uns será, ao mesmo tempo, prejudicial para outros. Se todos adotassem o horário de verão, de forma permanente, o sol nasceria perto das 10 da manhã em certas regiões da Europa ocidental. Se fosse o de inverno, amanheceria antes das 4 da manhã em partes da Europa central.
E se países vizinhos caíssem em fusos diferentes – como França e Alemanha –, o impacto seria imediato. Milhares de trabalhadores transfronteiriços teriam de ajustar horários diários; comboios e voos precisariam de rever programações; e até reuniões empresariais ou aulas online entre os dois países passariam a exigir atenção redobrada ao fuso horário.
Enquanto a Europa decide o que fazer, o ponteiro continua a avançar e a recuar duas vezes por ano. A mudança da hora sobrevive como um gesto quase automático, herança de um tempo em que o sol ditava os ritmos e a eletricidade era um luxo. De cada vez que o fazemos, reacende-se um debate que nos recorda o mais importante: gerir o tempo – da energia, da luz ou do nosso próprio corpo – é um desafio que vai muito além do relógio.