“O papel é a minha água-de-colónia”

19 de Março 2021

Ana Paula Gonçalves faz esculturas com o papel e cartão que apanha no lixo. Uma forma de reciclar e reutilizar que, diz, lhe mantém o cérebro elástico.

O Bicho de Papel é um projeto em construção de artesanato urbano, mas, na verdade, esta paixão pelo papel “é um ‘bicho que morde’ há muito tempo”, conta Ana Paula Gonçalves. Tudo começou com uma professora de desenho, nos bancos da escola em Moçambique, onde viveu até aos 14 anos. “Na altura, usávamos a técnica das tiras de jornal que se mergulhavam em baldes de cola branca aguada. Depois íamos construindo sobre estruturas de arame figuras gigantes que pintávamos de forma muito colorida, e que ficavam a decorar a sala de aula e os corredores da escola”, recorda. As bases estavam lançadas. “Hoje, continuo a usar a técnica das tiras de jornal, mas fui aperfeiçoando uma receita para a pasta de papel que uso para muitas das esculturas e objetos que vou construindo”.

Os materiais são tudo o que consegue recolher de desperdício, e o ambiente é uma das suas grandes preocupações. Ana Paula Gonçalves organiza periodicamente com o marido um roteiro de recolha de cartão e de papel por Marinhais, a pequena vila ribatejana onde moram. Esse papel e cartão é separado e cortado, e uma boa parte processado em massa de papel maché, que depois dá corpo às esculturas.

Esculturas imperfeitas e únicas, como se quer: “Não me interessa a perfeição e o processo com zero falhas. Interessa-me o processo orgânico do artesão”, diz. Podem ser esculturas de animais, taças, pratos, vasos, bonecos… mas todos são peças diferentes, todos têm história, “e cada ruga ou imperfeição são as marcas das mãos de quem os fez”.

Uma forma de expressão
A ideia, conta, “é alegrar os cantos da minha casa e da casa de alguém. Concordo com o que dizia Victor Hugo: ´O belo é tão útil quanto o útil´. Talvez até mais”.  Na verdade, o Bicho de Papel é muito mais do que a produção de objetos decorativos. Acaba por ser uma forma de reciclagem e reutilização, e, também, uma “estratégia mental de defesa” que “mantém o cérebro elástico”, diz a artesã.

Formada em Sociologia e em Psicopedagogia, e formadora na área comportamental – um trabalho desgastante e mentalmente intenso –, sabe por experiência própria que “todos precisamos de outros canais de expressão além da tão sobrevalorizada verbalização”. Uma consciência que ganhou muito cedo. Talvez por isso, diz, entre sorrisos, “desde a infância que tinha de rabiscar, fazer desenhos e cheirar o papel… a minha água-de-colónia!”.