Classificado como “criticamente em perigo”, o carvalho-de-monchique é uma espécie antiga e rara. Testemunho das florestas primordiais do sul da Europa, está a ser alvo de ações de conservação no Algarve, na zona da ribeira de Águas Alves.
Nos cerca de 135 hectares ocupados por carvalhal, sobreiral e medronhal, na propriedade da The Navigator Company em Águas Alves, na serra de Monchique, foram lançadas à terra as bolotas que, nas próximas décadas, irão dar origem a um novo carvalhal.
É uma árvore muito rara: só existirão 350 exemplares
de carvalho-de-monchique em Portugal
Esta é uma das áreas do trabalho de conservação que a Navigator, mentora do projeto My Planet, tem vindo a realizar na propriedade, que integra vários habitats Rede Natura 2000. Além da dispersão de bolotas, desde 2019 que têm sido plantados carvalhos-de-monchique, espécie classificada como “criticamente em perigo” na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, devido ao baixo número de exemplares, e também carvalho-cerquinho, medronheiro e sobreiro. “As bolotas foram recolhidas na propriedade, desenvolvidas nos viveiros de Espirra, e voltaram para aqui para serem plantadas” explica Tiago Damas, responsável pela propriedade.
Uma relíquia da história vegetal
O carvalho-de-monchique foi descoberto aqui em 2018, por Carlos Vila Viçosa, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO), durante trabalhos de cartografia e caracterização de habitat. “Sabia que a espécie existe potencialmente em qualquer ribeira do sudoeste alentejano, e comecei a suspeitar de que poderia haver na propriedade, pela presença de outras plantas, como a adelfeira”, recorda.
Além de ser extremamente raro – o número total de exemplares no país não deve ultrapassar os 350 – e de estar sob ameaça devido à hibridação natural com o carvalho-cerquinho e pela destruição de habitat, o carvalho-de-monchique é um testemunho das florestas primordiais que cobriram o sul da Europa durante o miocénico. “Foi um período húmido, quase tropical, com ausência de frio. O carvalho-de-monchique é uma espécie associada a este tipo de ambiente e ficou restringido a estas serras junto ao mar, alimentadas por nevoeiros, onde se preservaram as condições de humidade constante durante o ano”, explica o investigador.
Preparar o futuro
“É um trabalho de paciência”, admite Nuno Rico, responsável pela conservação da biodiversidade na Navigator. Além de monitorizar o crescimento das novas árvores – 80 das quais são exemplares do carvalho-de-monchique –, há que fazer cortes seletivos da vegetação.
Nos habitats já estabelecidos, a intervenção é mínima. O objetivo é que, aos poucos, a natureza regenere e o bosque ripícola recupere o seu espaço, com os trabalhos a estenderem-se à ribeira de Águas Alves e restantes linhas de água da propriedade. Um investimento que deu frutos, já que nas margens da ribeira foram identificadas duas espécies classificadas com o estatuto “vulnerável” na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, a Carex helodes e a Campanula alata.
“Quanto melhor estiver o habitat, mais diversidade terá”, assegura Nuno Rico, que assume que este é um projeto cujos resultados plenos só serão alcançados dentro de algumas décadas. Mas, antes ainda de atingir todo o potencial, o vale já revela a sua beleza. A par com as novas árvores, surgem orquídeas (Serapias sp.), gilbardeiras (Ruscus aculeatus) e Ranunculus sp. – a chamada erva da Quaresma. Mais discretas, as espécies animais também marcam presença, embora, aos nossos olhos, o bútio-comum não seja mais do que um ponto em movimento no céu e a presença dos javalis só seja atestada pelo solo revolvido, num território que também acolhe ginetas, raposas e lontras, e que foi eleito como zona de caça por rapinas como a águia-cobreira, a águia-calçada e o bútio-comum.
Bútio-comum (Buteo buteo)
Raposa (Vulpes vulpes)