Quem tem medo do “lobo mau”?

24 de Junho 2024

A Comissão Europeia está a ponderar a redução do estatuto de proteção desta espécie, perante queixas de conflitos com atividades humanas, nomeadamente a pastorícia. As associações ambientais estão contra. Onde fica o equilíbrio?

De um lado os criadores de gado, que se queixam da “razia” que os lobos estão a fazer nos seus rebanhos. Do outro, as associações ambientais, que alertam para a necessidade de preservar uma espécie historicamente perseguida e que, hoje, graças ao estatuto de proteção, voltou a desempenhar um papel essencial no equilíbrio dos ecossistemas, enquanto predador natural de outras espécies responsáveis por danos em atividades humanas como a agricultura e a silvicultura.

Face aos argumentos de setores ligados à criação de gado, a Comissão Europeia (CE) pondera vir a alterar o estatuto do lobo de “estritamente protegido” para “protegido”. Esta redução na escala de conservação da espécie significa que, por exemplo, a caça pode ser autorizada, desde que observando parâmetros que assegurem a conservação das populações. “A caça destas espécies tem de ser cuidadosamente regulamentada pelos Estados-Membros, uma vez que estes continuam a ser obrigados a assegurar a consecução e a manutenção do estado de conservação favorável das populações presentes nas regiões biogeográficas desses países”, explica a CE.

Enquanto parte contratante da Convenção de Berna, a União Europeia (UE) pode apresentar propostas de alteração, desde que apoiadas por uma maioria qualificada de Estados-Membro. Caso haja acordo, estas recomendações de alteração podem ser apresentadas já na próxima reunião da Comissão Permanente da Convenção, que se realiza no final do ano.

De “lobo mau” a bom da fita

Altamente perseguido durante os séculos XVIII e XIX, o lobo encontrava-se praticamente extinto das paisagens europeias no princípio do século XX. Foi na Convenção de Berna, em 1979, que esta espécie recebeu o estatuto de “altamente protegida”.

De acordo com um relatório recente da UE, a população de lobos tem vindo a subir e contava, em 2023, com cerca de 20.300 indivíduos espalhados por 23 países europeus, quase o dobro dos estimados em 2012 (11.193).

Um progresso encorajador, mas que, mesmo assim, é ainda considerado insuficiente pelas Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA), segundo as quais o crescimento da população não implica a estabilidade da espécie. São várias as organizações a defenderem o atual estado de conservação do lobo e a questionar as intenções da UE sobre a redução do seu estatuto.

Os lobos são parte integrante do Património Natural da Europa, melhorando os habitats e contribuindo para a restauração de processos naturais. Enquanto grande carnívoro, desempenha um papel importante na manutenção e equilíbrio dos ecossistemas, ao regular as populações e a densidade de presas silvestres como javalis, corços e veados, espécies cuja sobrepopulação tem resultado em danos sensíveis na agricultura e na produção florestal.

A presença do lobo afugenta também os cães vadios, que representam uma verdadeira ameaça ao gado, ao contrário do próprio lobo que, na verdade, se alimenta fundamentalmente de carcaças mortas e animais doentes ou débeis. Ao selecionar as presas mais vulneráveis, os lobos também podem reduzir a incidência de doenças que poderiam ser transmitidas ao gado.

No seu relatório “Facts about wolves in Europe”, o World Wide Fund for Nature (WWF) refere mesmo que os prejuízos causados na pastorícia pelo lobo são mínimos e limitados, ainda que possam ser mais elevados em áreas específicas. Esta organização explica que os danos causados pelo lobo representam apenas uma perda anual de 0,065% dos cerca de 60 milhões de ovinos que se estima existirem na UE.

Após o comunicado da Comissão Europeia sobre a proposta de alteração do estatuto do lobo, as Organizações Não Governamentais de Ambiente expressaram desacordo e preocupação, com o próprio WWF a argumentar que a UE não tem bases científicas suficientes que justifiquem um retrocesso do estatuto do lobo.

No nosso país, a Associação Natureza Portugal, juntamente com o WWF (ANP|WWF), lançaram uma carta/petição, apelando ao Estado português que vá contra a proposta de redução do estatuto de proteção do lobo, defendendo a coexistência de sucesso entre pessoas e grandes carnívoros, e lembrando a Lei de Proteção do Lobo-ibérico que vigora desde 1988.

As preocupações não partiram apenas de organizações nacionais. Numa carta aberta a Ursula von der Leyen, mais de 300 organizações ambientais e de proteção animal expressaram a sua inquietação com a proposta da Comissão Europeia, lembrando que tal decisão só se justificaria com dados científicos consistentes e apurados de forma transparente, o que não é o caso.

O lobo é uma das espécies protegidas nas florestas Navigator

A gestão responsável das florestas pressupõe uma compatibilização entre os objetivos de produção e a conservação da biodiversidade, e a The Navigator Company, mentora do projeto My Planet, dedica um foco especial às espécies com estatuto de ameaça. No caso do lobo-ibérico, classificado como “Em perigo” no Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, a espécie é alvo de medidas especiais: em zonas que estão referenciadas com alcateias, apenas são realizadas operações florestais durante o dia, ou seja, não há atividades florestais entre o pôr-do-sol e até 1h após o nascer-do-sol.  Isto porque o lobo caça, alimenta-se e está ativo sobretudo durante a noite.

O lobo é uma das 253 espécies de fauna identificadas e protegidas nas propriedades florestais geridas pela Navigator.