Resistência verde em terra seca
16 de Junho 2025
Num mundo cada vez mais afetado pelas alterações climáticas, que tornam a desertificação e a escassez de água desafios prementes, a natureza oferece exemplos inspiradores de sobrevivência. As plantas que prosperam em ambientes áridos revelam estratégias notáveis para enfrentar condições extremas e mostram-nos como resistir é, sobretudo, saber adaptar-se.
Quando se fala em desertificação, a imagem que muitas vezes surge é a de um solo seco, sem vida, abandonado à erosão e ao calor. Mas nem todos os desertos são iguais, e nem todos são sinónimo de vazio. Em muitos dos ecossistemas mais áridos do planeta, há plantas que florescem onde tudo parece hostil. Não por milagre, mas por estratégia.
Estas espécies, conhecidas como xerófitas, não se limitam a sobreviver: prosperam, reproduzem-se, renovam-se. São mestres da adaptação e podem ensinar-nos muito sobre resiliência, inovação natural e sustentabilidade.
Num mundo onde a água é cada vez mais escassa e os extremos climáticos mais frequentes, os mecanismos de sobrevivência destas plantas merecem a nossa atenção:
🪻 Algumas desenvolveram folhas minúsculas ou prescindiram delas para reduzir a transpiração. É o caso do alecrim e da alfazema, cujas folhas estreitas e com revestimento piloso ajudam a limitar a perda de água.
🌵 Outras armazenam água nos tecidos, como fazem os catos ou suculentas como o Aloe vera, que são capazes de acumular grandes quantidades de água nos caules e folhas.
🌳 Muitas alongam as raízes até profundidades surpreendentes, em busca de lençóis freáticos escondidos: a Boscia albitrunca, por exemplo, é uma árvore africana conhecida por ter uma das raízes mais profundas do mundo, que pode chegar a mais de 60 metros de profundidade!
🌿 E há ainda as que completam todo o seu ciclo de vida num curto período, aproveitando ao máximo os raros dias de chuva. É o que acontece com a Arabidopsis thaliana, uma pequena planta silvestre que pode florescer e produzir sementes em apenas seis semanas.
Em Portugal, onde os verões longos e secos já são a norma, existem várias espécies nativas que partilham estas competências adaptativas. A azinheira, a esteva, o medronheiro ou o zimbro são exemplos claros de resistência mediterrânica: crescem em solos pobres, retêm a água com mestria e alimentam redes de biodiversidade, funcionando como suporte de vida em ecossistemas muitas vezes frágeis.
O eucalipto, por seu lado, é uma espécie muito bem adaptada ao nosso território e um exemplo de eficiência na gestão dos recursos hídricos. O formato da sua copa e das suas folhas permite que mais água da chuva chegue ao solo para manter a humidade e alimentar os aquíferos. Mas não é apenas a água da chuva. Esta espécie consegue, com uma eficácia incomum, aproveitar a humidade da condensação que se forma nas suas folhas para se “regar” a si próprio. Essa é uma das razões que explica porque consegue vingar em condições pouco favoráveis, onde outras espécies florestais não sobrevivem.
Desertificação: o que é, afinal?
É importante desmistificar: desertificação não é o avanço de dunas de areia. É a degradação progressiva do solo fértil, causada por fatores como a desflorestação, a má gestão agrícola, os incêndios e, claro, as alterações climáticas. É um fenómeno silencioso, mas com impacto real na segurança alimentar, nos recursos hídricos e na capacidade de regeneração dos territórios.
Portugal é um dos países europeus mais vulneráveis a este problema. Segundo o Relatório do Estado do Ambiente 2024, da Agência Portuguesa do Ambiente, cerca de 58% do território continental apresenta suscetibilidade à desertificação. Algumas regiões são especialmente suscetíveis, como é o caso do Baixo Alentejo, onde este indicador sobe para os 94%. Prevenir é, por isso, mais urgente do que nunca.
O que podemos aprender com estas plantas?
Num tempo em que se pedem soluções sustentáveis para desafios cada vez mais complexos, olhar para a natureza pode ser um ponto de partida. As plantas que resistem em condições extremas de secura, mostram-nos que viver com menos recursos não é sinónimo de fragilidade. Pode ser, antes, revelador de inteligência ecológica.
Proteger o solo, recuperar ecossistemas e promover uma gestão florestal e agrícola sustentável e adaptada à escassez de água são estratégias incontornáveis, que fazem parte da solução. E talvez o maior ensinamento destas plantas seja esse: a resiliência não se impõe cultiva-se.
A azinheira, a esteva, o medronheiro ou o zimbro são exemplos claros de resistência mediterrânica: crescem em solos pobres, retêm a água com mestria e alimentam redes de biodiversidade, funcionando como suporte de vida em ecossistemas muitas vezes frágeis.