Santuários para devolver vida aos céus

23 de Junho 2025

Muitas espécies de aves outrora comuns nos céus portugueses estão hoje em declínio acentuado. A nova Rede Nacional de Santuários de Aves nasce como resposta da sociedade civil a esta perda alarmante. “Durante as últimas décadas, temos sido apenas testemunhas do desaparecimento das aves.”
Rui Borralho, diretor-executivo da SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves

A palavra “santuário” pode sugerir silêncio, recolhimento e contemplação. No contexto da conservação da biodiversidade, remete, frequentemente, para uma área protegida – um espaço reconhecido como valioso, mas nem sempre alvo de ações no terreno. A recém-criada Rede Nacional de Santuários de Aves quer ser mais do que isso: não se limita a preservar e monitorizar – quer gerir ativamente habitats e reforçar populações.

Criada pela SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), esta rede nasce para devolver vida e som a locais onde muitas espécies desapareceram ou rarearam. À medida que os planos forem avançando, o canto das aves poderá voltar a ouvir-se com a intensidade de outros tempos.

“Durante as últimas décadas, temos sido apenas testemunhas do desaparecimento das aves”, lamenta Rui Borralho, diretor-executivo da SPEA. “Não falo apenas das espécies raras, mas também das comuns, como cucos, rolas, pintassilgos, algumas andorinhas. Aves que fazem parte do imaginário popular dos portugueses, mas que deixámos de ver e ouvir com a mesma frequência.”

É desta constatação, e da urgência que ela encerra, que nasce a Rede Nacional de Santuários de Aves. A perda é profunda e está bem documentada: “Em algumas espécies, temos declínios superiores a 80%. Em termos europeus, cerca de 64% das aves de zonas agrícolas estão em declínio, e mais de 40% das aves das zonas florestais também”, alerta o responsável.

Mas mais do que alertar, é preciso agir – e essa ação tem de vir de todos os setores da sociedade. “É preciso um maior envolvimento da sociedade civil”, sublinha Rui Borralho. “Não podemos continuar apenas a assistir, ou à espera de apoios da União Europeia ou do Estado. Esta iniciativa representa uma mudança de paradigma. Porque o que tem sido feito, até agora, é manifestamente insuficiente.”

É precisamente esse novo paradigma que a SPEA pretende concretizar com a Rede Nacional de Santuários de Aves, convidando cidadãos, empresas e instituições a juntarem-se ao esforço. O envolvimento pode assumir diferentes formas. Não é preciso fazer tudo, mas cada contributo conta:

  • A cedência de uma propriedade que será transformada em santuário de aves;
  • O financiamento das ações a implementar no terreno;
  • A realização prática dessas ações;
  • Ou, simplesmente, uma doação através da plataforma do projeto.

“A SPEA é uma instituição sem fins lucrativos, por isso recorremos ao crowdfunding para podermos suportar a criação dos santuários, nos casos em que os proprietários não têm capacidade de autofinanciamento”, explica Rui Borralho. Este apoio, obtido através da campanha de angariação de fundos da campanha, destina-se exclusivamente a particulares. No caso das empresas e instituições que aderem ao projeto, cedendo propriedades, espera-se que assegurem diretamente os custos das ações a realizar nos seus terrenos.

46 santuários criados, mais 30 a caminho

O objetivo inicial da SPEA era, no primeiro ano, conseguir criar entre cinco e dez santuários, angariando cerca de 10 mil euros. “A verdade é que, em apenas duas semanas, ultrapassámos essas metas. Passados seis meses, temos cerca de 100 propriedades disponibilizadas, em 46 das quais já estamos a fazer trabalho de campo. A área total ronda os 10 mil hectares e angariámos já mais de 160 mil euros”, revela Rui Borralho, adiantando que há mais 30 propriedades aprovadas para entrar na Rede. “Estão em fila de espera e serão integradas à medida que formos angariando financiamento que o permita”.

A resposta excedeu largamente as expectativas. De tal forma que, garante o responsável, “esta é já a campanha de angariação de fundos mais bem-sucedida de sempre, em Portugal, na área da conservação da biodiversidade”.

Caixas-ninho, bebedouros e culturas para a fauna

A Rede Nacional de Santuários de aves já se estende por todo o país – com exceção da Madeira, onde ainda não há propriedades candidatas. “Começámos por identificar e recensear as populações de aves diurnas e noturnas presentes em cada local, avaliando o uso do solo e as atividades humanas associadas”, explica Rui Borralho. Mas este é apenas o ponto de partida. O verdadeiro objetivo, sublinha, é construir um plano de gestão para cada área e implementar medidas concretas de conservação da biodiversidade, com especial foco nas aves – sempre em articulação com os proprietários envolvidos.

Além do espaço para os santuários, os proprietários recebem formação, alguns contribuem com fundos para a execução dos planos de gestão e, sempre que possível, participam diretamente nas ações no terreno. Ações que, muitas vezes, são simples e acessíveis. “Podem incluir a colocação de comedouros e bebedouros, a instalação de caixas-ninho, a plantação de faixas de culturas para alimentação da fauna, ou a criação de pequenos refúgios, como aglomerados de pedras, que atraem os mochos”, enumera Rui Borralho.

Herdade de Espirra – The Navigator Company

Um santuário que antes de o ser já o era

Uma das primeiras entidades a apoiar a iniciativa e a entrar na Rede Nacional de Santuários de Aves foi a The Navigator Company, mentora do projeto My Planet. “A Navigator é um dos maiores gestores rurais em Portugal e tem um peso enorme no território. É uma empresa com preocupações genuínas com a conservação da biodiversidade, articuladas com a certificação da gestão florestal, o que lhe permite ter um impacto muito positivo”, considera Rui Borralho. “São profissionais em gestão florestal, com grande capacidade de intervenção, pelo que é excelente podermos contar com esta parceria”, conclui.

Depois de uma visita à Herdade de Espirra, na zona de Pegões (Setúbal), a possibilidade de integrar aquela área na futura Rede Nacional de Santuários de Aves surgiu de forma natural. “Ficámos muito bem impressionados com a diversidade de avifauna existente, fruto das condições já criadas: já estão instaladas culturas para a fauna, caixas-ninho, bebedouros – ou seja, muitas das medidas que iremos implementar noutras áreas”, conta o diretor-executivo da SPEA. “É uma das maiores propriedades da Rede, com 1690 hectares e uma grande diversidade de habitats, o que a torna muito interessante do ponto de vista da conservação”, acrescenta.

Nuno Rico, responsável pela conservação da biodiversidade na Navigator, reconhece que a Herdade de Espirra já funcionava como um santuário para a biodiversidade, mesmo antes de ser formalmente integrada na Rede. “Identificámos 118 espécies de aves na propriedade. Desde que começámos a instalar as caixas-ninho e a fazer sementeiras para insetos – dos quais as aves se alimentam – temos a perceção de que há mais aves, tanto em número como em diversidade. Entrar para esta Rede Nacional é também uma forma de avaliarmos com rigor o impacto destas medidas”, explica. “Se os resultados forem positivos, como esperamos, poderemos replicar estas ações noutras áreas sob nossa gestão.”

Além de Espirra, a Navigator integrou na Rede Nacional de Santuários de Aves uma outra propriedade, em Alcácer do Sal, com 316 hectares de montado e eucaliptal. Embora ainda não tenha tantas medidas implementadas, o seu potencial é elevado. “Pela diversidade de habitats e pela localização, faz todo o sentido incluí-la neste projeto”, afirma Nuno Rico. “É uma forma de alinharmos a gestão do território com a nossa estratégia: gerar impacto positivo nos ecossistemas, conciliando os objetivos produtivos com a conservação da biodiversidade.”

Mais informações sobre a Rede Nacional de Santuários de Aves, incluindo como participar, aqui.

“Durante as últimas décadas, temos sido apenas testemunhas do desaparecimento das aves.”
Rui Borralho, diretor-executivo da SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves