Luís Gomes não se imagina a viver sem livros. Um fascínio pelo papel que o levou à profissão de alfarrabista há mais de 30 anos.
A livraria Artes & Letras, agora instalada na Vila Literária de Óbidos, mas que antes disso fez parte da paisagem de Lisboa por décadas, tem cerca de 20 mil títulos disponíveis ao público. Mas Luís Gomes tem ainda um armazém cheio, uma biblioteca pessoal e livros por todas as divisões da casa. “É muito difícil viver com livros, mas é muito mais difícil viver sem eles”, confessa a sorrir.
Os livros são uma paixão desde criança. As várias histórias que carregam, mas também o objeto em si, fazem deles espécimes únicos e valiosos. “Um livro conta-nos muitas histórias: na encadernação, nas notas que tem, nas assinaturas, no bom ou mau tratamento que teve até hoje… E depois, há ainda o cheiro, o toque, a lombada”, diz.
Ao longo dos anos, a Artes & Letras acolheu muitos autores e intelectuais. Entre os mais conhecidos, foram vários os que marcaram Luís Gomes, como Luís Pacheco, Herberto Helder, Mário Casariny, Agostinho da Silva, Mário Soares e Raul Rego. Mas também por lá passou muita gente anónima apaixonada pelos livros, pessoas de quem ainda hoje guarda “gratas recordações”. Como o guarda-freio da Carris, que sempre que podia “parava o elétrico para passar pela livraria para ver as novidades ou ir buscar uma encomenda”; ou o peixeiro, que “começou a ir lá para procurar coisas da sua terra e acabou com uma ótima coleção de primeiras edições de autores portugueses”. Ou seja, o amor pelos livros, conta, “é um sentimento transversal”.
Aprender a ler no meio dos livros
A paixão começou cedo. “Em Santa Catarina, o bairro onde nasci, havia um alfarrabista muito simpático. O Daniel dava-me dois banquinhos, um grande e outro pequenino: um para eu me sentar, outro para eu pôr o livro em cima. Os livros menos valiosos estavam na secção de baixo, aquela onde eu chegava, e eu ficava ali horas a ver livros de zoologia ou a National Geographic”, recorda. E foi assim que aprendeu a ler.
Cresceu rodeado de livros. Mais tarde, recorreu à sua biblioteca pessoal para abrir a livraria no Largo Trindade Coelho, em Lisboa. “Os livros para mim nunca foram um negócio. O que eu gostava mesmo era de comprar, oferecer e ler livros”, mas como era um gosto caro, “arranjei um compromisso entre vender livros para sobreviver e poder continuar a viver no meio de livros”, nota.
Livros que acarinha com alma e fervor, mesmo que não os leia. “Tenho livros que não leio, como tenho livros que não vendo.” Livros especiais, que preserva religiosamente, seja porque contam uma história gráfica pela tipografia usada ou porque guardam memórias ricas.
A atração pelos livros tem o seu quê de místico, diz Luís Gomes. “Há pessoas que entram na livraria só para ver, cheirar, ou, simplesmente, descobrir se encontram alguma lombada que os desperte, algo que lhes chame a atenção. Eu todos os dias saía da livraria com uma história para contar, e todos os dias aprendia qualquer coisa. E se não aprendesse, ficava muito triste”.