Vamos ao medronho!

3 de Novembro 2022

Na sua propriedade de Águas Alves, em Monchique, a The Navigator Company, mentora do projeto My Planet, recebeu um grupo de utentes do Lar da Santa Casa local. Muitos deles com mais de 80 e 90 anos, foram apanhar medronho para produção de aguardente e mostrar aos mais novos como se faz.

“Aos cinco anos, já eu andava a apanhar medronho. É um trabalho que sempre gostei de fazer, mas este ano deve ser o último porque vejo muito mal”. Joaquim Tomé, 86 anos, não demonstra, contudo, essa falta de visão que o preocupa. O seu balde enche-se rapidamente com os pequenos frutos e é dos mais enérgicos do grupo da Santa Casa da Misericórdia de Monchique que, no passado dia 25 de outubro, saiu do Lar para um dia na serra, na apanha do medronho.

Esta é a quinta edição da iniciativa “Reviver Tradições”, resultado de uma parceria entre a Santa Casa, o Município de Monchique e a The Navigator Company, que reserva aos idosos, desde 2017, uma zona acessível de medronheiros, na sua propriedade de Águas Alves. Desde o início do projeto, só no ano de 2020 foi impossível fazer a apanha, devido às restrições da pandemia.

A produção de aguardente caseira a partir do medronho é uma tradição muito enraizada nas zonas de serra algarvias. O fruto faz parte da cultura e é um recurso muito importante para as famílias. Só no concelho de Monchique existem 85 destilarias legais e 60 marcas de aguardente de medronho. Já a madeira do medronheiro é muito utilizada para a produção de carvão vegetal.

“Nas encostas da propriedade de Águas Alves, os medronheiros são abundantes e este é um fruto muito procurado”, conta Vânia Oliveira, Responsável de Aproveitamento de Terras da Navigator. “Mas ‘Reviver Tradições’ é uma iniciativa com uma vertente sobretudo social, que reflete os valores e o propósito da Navigator e a vontade de envolvimento com as comunidades onde se insere”, afirma. “Os segredos da apanha, da fermentação e da destilação passam de geração em geração. Este dia é uma oportunidade de os mais velhos partilharem conhecimento, aquele saber que foram ganhando ao longo da vida. São pessoas com mais de 80 e 90 anos, que estão a dar continuidade a uma tradição e, por isso, vêm sempre com muita alegria”, resume.

Os melhores são os vermelhos

“Os mais maduros, que são os vermelhos, são os melhores e alguns amarelos também são bons. Mas não são todos os amarelos, têm que ter alguma humidade. Se ao abri-los vemos que a semente, no interior, está preta, então é porque estão bons”, explica Maria Martins, 82 anos. “Além disso, não podemos deixar ir o pezinho, nem as folhas, juntamente com o fruto, senão a aguardente não fica boa”, avisa.

Aprendida a lição por quem ainda tinha dúvidas, é tempo de encher os baldes e cestos. Nem as encostas íngremes parecem desencorajar os participantes. “Por vezes, é preciso mostrar-lhes que há medronheiros mais acessíveis, pois eles acham que ainda conseguem chegar a todo o lado”, conta Carla Costa, Diretora Técnica da Santa Casa. “Este dia vale por duas semanas de ginástica!”, afirma.

Finda a manhã de trabalho, estão 81 quilos colhidos. Os frutos vão agora ficar em recipientes a fermentar durante vários meses, até estarem prontos para a destilação, que acontecerá em abril. “Esse dia será também de convívio. É a chamada ‘destila’, em que a ‘massa’ do medronho se transforma em aguardente, um processo que demora cerca de seis horas”, explica Carla Costa. “A nossa aguardente não é para comercialização, mas apenas para consumo nas festividades e ocasiões especiais, como o magusto. “Reviver Tradições” tem um objetivo social, o de permitir aos idosos reviver um processo que sempre foi muito importante para eles e que fez parte de toda a sua vida ativa”, conclui.

A importância do medronheiro para os habitats.

O medronheiro existe um pouco por todo o país, mas é mais predominante no Sul, nas Serras do Caldeirão e de Monchique. É nesta última que fica a propriedade de Águas Alves, que pertence à Navigator desde o ano 2000. A sua área total são 400 hectares, metade dos quais correspondem a zonas de sobreiro e medronheiro. “São quase todos medronheiros naturais”, conta Vânia Oliveira. “Mas também já fizemos a plantação da espécie em certas zonas. A Navigator tem feito uma gestão seletiva de matos que procura promover a regeneração natural do sobreiro e do medronheiro. Estes são habitats sensíveis que têm uma importância vital em termos de sustentabilidade e biodiversidade”, explica a técnica.

“Os medronhos são muito procurados por várias espécies animais, tanto aves como mamíferos. O medronheiro frutifica durante o outono/inverno, uma época em que há pouco alimento. E tem a particularidade de florescer e frutificar ao mesmo tempo. A floração ocorre em simultâneo com a maturação dos frutos do ano anterior. Tal como o eucalipto, é importante para as abelhas e outros polinizadores porque são espécies que florescem durante os meses frios, quando há menos alimento disponível. Entre outubro e fevereiro têm sempre flor e fruto”, revela Vânia Oliveira.

Para produzir um litro de aguardente de medronho, são precisos, em média, sete quilos de fruto. Os maduros, mais vermelhos, são os mais procurados, mas alguns amarelos também já estão prontos para apanhar.