No despontar da primavera, os portugueses retomam a sua relação de amor-ódio com um ícone nacional: a andorinha. O simbolismo da sua chegada encanta, mas as marcas que deixa onde nidifica nem sempre são bem toleradas.
A relação dos portugueses com as andorinhas é, no mínimo, peculiar. Admiramos a sua beleza, elogiamos a resistência necessária para percorrer 20 mil quilómetros por ano, mas, no dia a dia, dispensamo-las nos nossos beirais. No fundo, o que realmente apreciamos é o que simbolizam: esperança, renovação, família. Mas quando se trata das nossas casas, preferimos, quase sempre, a versão de loiça patenteada por Bordallo Pinheiro em 1896, já que o maior incómodo que implica é ter de lhe limpar o pó.
Indiferentes a essas questões, as andorinhas regressam a cada fim de inverno. A primeira a chegar costuma ser a Hirundo rustica rustica, uma das oito subespécies da andorinha-das-chaminés. Podemos facilmente identificá-la pela cauda negra, bifurcada e longa, um corpo predominantemente azul-escuro e um par de apontamentos de cor arruivada na testa e na garganta.
Um ícone português em tour mundial
Depois de trocar o nosso inverno pelo calor do hemisfério sul em geografias como a América do Sul, África Subsariana, Ásia Meridional, Sudoeste Asiático e Norte da Austrália, a andorinha-das-chaminés faz a sua subida estival rumo a temperaturas mais elevadas e a locais com mais alimento. Nesta altura, encontra estas condições na América do Norte, no Norte de África, na Ásia e, claro, na Europa.
A sua chegada ao nosso país coincide com o despontar da primavera, dando início a uma estadia que geralmente se estende de fevereiro a outubro. Neste período de cerca de nove meses, a fêmea irá passar por duas a três posturas, depositando em cada uma delas quatro a cinco ovos, que se identificam pela cor branca e manchas vermelhas.
Cada vez menos comuns
A importância da nidificação da andorinha em Portugal não pode ser avaliada sem se ter em conta a evolução das populações das cinco espécies existentes no nosso país. No Censo de Aves Comum (CAC) realizado em 2023, identificou-se um decréscimo de 36% na presença da andorinha-das-chaminés entre 2004 e 2023. Ainda assim, o seu estatuto de conservação é considerado “Pouco preocupante” em Portugal.
A intensificação agrícola é apontada como uma das principais causas da diminuição das populações das aves comuns, à qual se somam o menor acesso a locais de nidificação, bem como o desvio das rotas migratórias em consequência direta das alterações climáticas. No caso das andorinhas, a dificuldade em voltar ao local de nidificação do ano anterior é um problema acrescido pela convivência complicada com os vizinhos humanos.
Apesar do estatuto “Pouco preocupante”, a Lei portuguesa protege as andorinhas, determinando a proibição da destruição de qualquer ninho das espécies de aves que ocorrem naturalmente no estado selvagem no território nacional. Segundo a legislação, é proibido “Destruir, danificar, recolher ou deter os seus ninhos e ovos, mesmo vazios”.
Vivendo sob um ninho de andorinhas
A coexistência entre o Homem e as andorinhas está longe de ser pacífica, muito por culpa de uma predileção comum pelas alturas: é como o homem moderno constrói, e é como as andorinhas nidificam. Resultado? Um cenário de dejetos em entradas, varandas e janelas, que se torna o principal problema da nossa relação com estas aves.
Se isto é o que acontece em sua casa, um bom ponto de partida pode ser a instalação de uma espécie de caleira colocada por baixo dos ninhos — procure no Google por “house martin droppings board”. Existe ainda a possibilidade da instalação de ninhos artificiais, que podem ajudar a conter a sujidade. E se a ideia de um investimento sem aparente retorno lhe causa resistência, saiba que a andorinha é uma espécie muito útil no combate a pragas, alimentando-se de quantidades enormes de insetos que poderiam dar origem a vizinhanças bastante mais complicadas.
Não existindo uma solução prática ou argumento racional que dê margem de manobra às suas “vizinhas” de cima, o pedido de autorização para remoção de ninhos deve ser feito diretamente ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) – é este o organismo que poderá autorizar essa remoção, indicando a melhor altura para o fazer, sempre fora da época de nidificação.
Caso tenha conhecimento de uma situação de remoção não-autorizada, assuma o seu papel de protetor da biodiversidade e faça a denúncia junto do Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente da GNR (SEPNA). Por muito transtorno que causem e lavagens extra a que obriguem, é importante contribuir para que o nosso ícone da primavera não se transforme numa lenda de tempos idos.
👉 A andorinha-das-chaminés é uma das 268 espécies de fauna identificadas nas propriedades florestais geridas pela The Navigator Company, mentora do projeto My Planet. Todas elas beneficiam da gestão responsável implementada pela empresa, que considera a proteção da biodiversidade um valor prioritário.