É tudo uma questão de escolha

28 de Setembro 2023

Guta Moura Guedes, presidente da associação cultural Experimenta, reflete sobre a cultura como um dos pilares da sustentabilidade.

Não há planeta B disponível para a nossa espécie, pelo menos não existe neste momento. Nem tão cedo haverá. Esta não é uma realidade nova, mas parece que só agora, ou há bem pouco tempo, a vemos. Chegámos tarde a esta consciencialização, como se tivéssemos andado absorvidos em demasia por aquilo que foi o básico da nossa sobrevivência e evolução, sem perder um segundo a pensar nas consequências das nossas decisões. Bruno Latour, filósofo, antropólogo e sociólogo, com um trabalho de grande significado sobre a relação entre a humanidade e o planeta Terra e, especificamente, sobre a forma como compreendemos a emergência climática, afirmou que “Não há um planeta adaptado à globalização”, explicando-nos que a separação existente entre o resultado da actividade humana e a natureza provoca uma impossibilidade real no que se refere ao entendimento das questões climáticas. A humanidade tem em si uma profunda iliteracia ecológica que é difícil fazer desaparecer, pois ela é fruto do desenho da espécie humana.

Ora pensemos então em cultura. Antes do mais, de que falamos quando falamos de cultura? Sabemos que é a totalidade dos costumes, das tradições, das crenças, dos padrões morais, das manifestações artísticas e intelectuais e de outras características que distinguem uma sociedade ou grupo social, como por exemplo quando falamos da cultura portuguesa ou da cultura africana. Mas é também o conjunto das características morais, intelectuais, artísticas e dos costumes ou tradições de um determinado povo, nação, período ou de um lugar específico, como a cultura helenística e cultura renascentista, ou a cultura minhota e a cultura londrina. E é ainda o conjunto das actividades e das instituições relacionadas com a produção de artefactos culturais e a sua divulgação, como por exemplo a actividade de um artista, de um músico, de um arquitecto ou designer ou de uma instituição como a Fundação Gulbenkian ou o Museu de Arte Moderna em Nova Iorque. É o que nos distingue, em última análise, dos outros animais e seres vivos. É aquilo que pode sustentar a evolução da espécie humana, no sentido de que sem cultura não há ética, compreensão, cidadania, respeito, sentido de bem comum, pensamento colectivo. Sem a consciência que a cultura traz não conseguiremos ser sustentáveis, seremos eternamente irresponsáveis.

Em 2010 a importância da cultura foi finalmente, pese embora de forma embaraçosamente tardia, reconhecida pela organização “United Cities and Local Governments”, que aprovou a indicativa política “Culture is the Fourth Pillar of Sustainable Development”, colocando-a a par da economia, ambiente e coesão social. A partir daí as Nações Unidas criam a directiva “Cultura e Desenvolvimento” focada na sua relação com seis áreas temáticas: redução da pobreza, educação, igualdade de género, cidades sustentáveis e urbanismo, ambiente e alterações climáticas, inclusão e reconciliação, num reconhecimento absoluto do valor transversal da cultura para a humanidade.

Sabemos que os ecossistemas naturais têm uma capacidade de regeneração, que infelizmente a nossa espécie não tem, algo que dá uma janela de optimismo e esperança para a recuperação dos enormes desequilíbrios que causámos e causamos ainda. A “nave espacial Terra”, como a chamou em 1969 Buckminster Fuller, o pai da consciência planetária, poderá continuar sem nós e regenerar-se. Nós é que sem ela não iremos a lugar nenhum.  Em princípio estamos num momento histórico em que o investimento na cultura nos pode tornar a nós, humanos, capazes de evoluir nesta relação com o planeta que habitamos, num entendimento profundo sobre a natureza.

Para seguirmos o caminho da sustentabilidade, a escolha tem de ser esta.

 

Por Guta Moura Guedes, presidente da associação cultural Experimenta

 

Nota: Por vontade da autora, este texto não segue as regras do acordo ortográfico em vigor.

Sem a consciência que a cultura traz não conseguiremos ser sustentáveis, seremos eternamente irresponsáveis.