Humor em tempos de incerteza

2 de Março 2023

Podemos rir de tudo, até da incerteza da vida. É o que dizem Hugo van der Ding e António Raminhos, a quem desafiámos a refletir sobre o poder do humor. O resultado foi uma conversa onde entraram emoções, estratégias para lidar com as crises do mundo atual e, claro, algumas gargalhadas.

Nem todos temos a capacidade de olhar à volta e escolher o lado cómico e divertido da vida. Sobretudo em momentos tristes ou trágicos. Nem todos sabemos fazer rir, mas todos beneficiamos com o riso e o seu poderoso efeito terapêutico, há muito estudado pela ciência. Hugo van der Ding e António Raminhos encontraram no humor, muito cedo na vida, uma forma de chegar aos outros. E a eles próprios.

“A palavra humor não remete para comédia, remete para emoções”, afirma António Raminhos, recentrando a conversa. “Dizemos ‘estar de mau humor’ e falamos de ‘alterações de humor’. O humor tem a ver com emoções e é isso que o torna poderoso.”

Mas que poder é esse? Que efeito tem em nós? “É biológico”, diz Hugo van der Ding. “Consigo perceber a vantagem evolutiva. Quando é difícil lidar com uma emoção, o humor pode servir para desviar o foco ou aliviar. Em situações extremas, o riso provoca uma descarga que nos ajuda a aguentar. Por exemplo, as piadas em funerais têm uma função importante.”

O humor permite pôr em perspetiva aquilo que é difícil de encarar

Ao efeito “analgésico” do riso, Hugo van der Ding acrescenta: “Ajuda-nos a pôr em perspetiva. Revela-nos que tudo tem um lado ridículo. A própria morte e a forma como a encaramos é absurda. Se dermos dois passos atrás, entendemos que todos os seres vivos morrem. Nós fazemos disso um acontecimento, vestimo-nos de preto, construímos mausoléus e pirâmides – nós somos absurdos! O riso pode trazer-nos essa capacidade de distanciamento.”

António Raminhos partilha esta ideia: “Não é por acaso que quando acontecem grandes tragédias surgem de imediato uma série de anedotas. São formas de desconstruir, de tirar algum peso a algo que é muito negativo. É uma maneira de exorcizar.”

Mais do que alívio, partilhar uma gargalhada pode trazer igualmente algum sentido a quem a produz. “Serve também para meu benefício, sem dúvida”, afirma António Raminhos. “Um benefício que vem de sentir que estou a aliviar os outros. Traz-nos um conforto e também nos trabalha. Enquanto humorista, sinto que o prazer vem de oferecer boa disposição às pessoas.”

Como rir em tempos de crise e achar graça a um futuro incerto?

Hugo van der Ding:

“Alterações climáticas, pandemia, guerra… Há uma ansiedade, sem dúvida, provocada por este contexto. Em relação à guerra e aos problemas económicos, a minha visão histórica do mundo ajuda-me a não ser completamente pessimista. Nada disto é novo e tudo é cíclico. A história da Europa é feita de países a invadir países. Todas as nações têm invasões na sua história.

Hugo van der Ding

Em relação às alterações climáticas, tenho um pouco mais de dificuldade, confesso. Para já, porque me dou mal com o calor. Ia adorar que fosse um arrefecimento global (risos). Morriam animais diferentes e toda a gente gosta mais dos animais do frio do que do calor. Basta pensar no urso polar e na cobra. Mas sim, preocupa-me, claro. É horrível. Estamos num período em que todas as soluções encontradas são como um cobertor demasiado curto – puxamos de um lado, destapamos do outro. Mas como sou fascinado com efemérides, penso ‘Que luxo! De todas as épocas históricas possíveis, estarmos a viver na última!’ (risos)”

“O humor, em boa verdade, é uma arma muito poderosa de afirmação.”

Hugo van der Ding

António Raminhos:

“As questões ambientais assustam, claro. Tento não pensar muito. Mas cada vez tenho mais consciência da importância de dar valor a cada momento. Procuro estar cada vez mais presente. É uma coisa que me custava, e, às vezes, ainda custa. Estar presente em momentos muito simples. Quando estou com as minhas filhas, estar mesmo. Olhar para elas nos olhos e sentir ‘estou aqui’. Lidar com a Perturbação Obsessivo-Compulsiva ensinou-me isso. Também não penso em termos de cura. A cura poderá estar no futuro, mas eu não quero viver a pensar no futuro. Eu quero é aprender a lidar com isto agora.

António Raminhos

Em relação às crises, há os que pensam ‘isto é tudo uma m**da’ e ‘o mundo vai acabar’, e os que tentam melhorar alguma coisa hoje. Vai haver sempre os dois registos. As pessoas que têm mais consciência do caos procuram aproveitar o presente ao máximo, cuidando de si e dos outros. E depois há os que querem é embebedar-se forte e feio, continuar a fazer porcaria e lixar-se para os outros. Tem mais a ver com cada pessoa do que com a situação. Mas um contexto de crise pode ter um caráter libertador. No meu caso, claro que me ponho a beber todos os dias e não quero saber de mais nada (risos).”

“Desde pequenino, sempre usei o humor como um fator de alívio.”

António Raminhos