Menos tecnologia, mais aprendizagem

24 de Março 2025

Restringir as tecnologias nas escolas é uma tendência em inúmeros países, em linha com o alerta da UNESCO: os meios digitais devem ser utilizados em sala de aula apenas quando esse uso se reflete em resultados benéficos para a aprendizagem.

São cada vez mais os países que estão a restringir o uso das tecnologias nas escolas. Não se trata apenas dos manuais em suporte digital, mas também dos telemóveis, dentro ou fora da sala de aula. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), regista-se uma tendência clara de alteração de políticas nesta área: se num passado recente, 30 por cento dos países tinham implementado nas escolas programas tecnológicos one-to-one – ou seja, com acesso de cada aluno a um dispositivo tecnológico (laptop, tablet ou smartphone) –, atualmente apenas 15 por cento estão a fazê-lo.
Os dados constam do PEER (Profiles Enhancing Education Reviews), um relatório apresentado recentemente pela UNESCO e que faz uma atualização ao seu “2023 Global Education Monitoring Report” (Relatório de Monitorização Global da Educação 2023 – GEM, na sigla em inglês). O GEM procura avaliar o progresso dos países rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a sua edição de 2023 reconhecia que algumas tecnologias podem suportar algum tipo de aprendizagem, em alguns contextos, mas deixam de ter bons resultados quando são utilizadas em excesso ou de forma inadequada. “O bem-estar físico e mental está em risco devido ao uso excessivo de tecnologia”, alerta a UNESCO.

 

Telemóveis fora das escolas: uma realidade cada vez mais comum

Perante os alertas, baseados em evidências científicas de numerosos estudos, os responsáveis pela educação começaram a agir. Um dos indicadores avançados pelo PEER é a proibição dos smartphones em contexto escolar. Até ao final de 2023, 60 sistemas educativos (o que equivale a 30%) tinham implementado proibições ao uso de smartphones nas escolas, pela aplicação de leis ou políticas. No fim de 2024, já havia neste grupo mais 19 sistemas, fazendo subir o total para 79 (ou seja, 40%).
Olhando apenas para a Europa e Améria do Norte, o crescimento é ainda mais expressivo: os sistemas educativos que tinham implementado proibições ao uso do smartphone na escola até ao final de 2023 representavam 14 por cento do total; durante 2024, esta percentagem subiu para 40 por cento.

 

Reticências em Portugal

Em Portugal, no início deste ano letivo (2024-2025), o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) endereçou às escolas uma recomendação sobre a utilização de smartphones dentro do espaço escolar, na qual sugeria a sua proibição no 1.º e 2.º ciclos e restrições ao seu uso nos outros níveis de ensino. Em dezembro passado, o Ministro da Educação, Fernando Alexandre, admitiu a hipótese de a recomendação poder vir a transformar-se em proibição efetiva para o 1º e 2º ciclos, nas escolas públicas, no próximo ano letivo. Atualmente, apenas 2% dos agrupamentos escolares decidiram proibir o uso de telemóveis.
Quanto ao Projeto-Piloto Manuais Digitais, através do qual têm sido adotados, desde o ano letivo 2020-2021, manuais digitais nas escolas públicas – em substituição dos manuais em papel –, verificou-se, este ano, um travão. Na quinta fase do projeto, um terço das escolas aderentes abandonou o projeto, tendo regressado aos manuais em papel. Pela primeira vez, verificou-se uma diminuição do número de escolas e de alunos envolvidos: de 103 agrupamentos escolares e escolas não agrupadas que tinham adotado os manuais digitais, passou-se este ano para 81. Quanto ao número de alunos envolvidos, desceu para quase metade: de 24 011 alunos envolvidos em 2023-2024, para 13 650 em 2024-2025. O MECI anunciou, no início do ano letivo, que irá estudar o impacto do uso dos manuais digitais nas aprendizagens, para avaliar a continuidade do projeto já a partir do próximo ano.

 

Demasiado tempo de ecrã

Independentemente dos objetivos da utilização das tecnologias, o tempo passado em frente aos ecrãs tem impacto no desenvolvimento e saúde mental das crianças. E, em Portugal, esse tempo excede o recomendado. Mais de metade (52,8%) dos alunos portugueses do 2.º ciclo ao 12º ano passam quatro ou mais horas em frente a um ecrã durante os dias de semana, segundo o Relatório Saúde Psicológica e Bem-estar 2024 – desenvolvido pelo Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-estar das escolas, divulgado em dezembro do ano passado. Recordamos que o limite máximo de exposição a ecrãs aconselhado pela Organização Mundial da Saúde, pela Academia Americana de Pediatria e pela Associação Americana de Psicologia, para crianças a partir dos 12 anos, é de duas a três horas por dia.
A par dos riscos do uso excessivo das tecnologias, são inúmeros os estudos que ressaltam os benefícios do papel em contexto educativo, tanto a nível da leitura quanto da escrita. Para além de promover a compreensão de textos, o suporte papel estimula a concentração e o raciocínio e facilita a memorização. É por isso que países que estiveram na vanguarda da introdução das tecnologias nas escolas, como a Suécia, estão a regressar aos manuais em papel. Saiba mais aqui e aqui.