O peso, o cheiro e o toque: a magia de um livro

14 de Dezembro 2023

O que nos faz continuar a querer ler livros em papel? Uma escolha em que pesam fatores subtis e muitas vezes inconscientes, que envolvem os sentidos, o prazer e a segurança de um gesto. Mas também que nos convida a abrandar, a aprofundar e a saborear.

Para além das vantagens da leitura em papel demonstradas pela ciência, há razões (e gestos) mais ou menos inconscientes que pesam na escolha de um livro no seu formato tradicional. Seja o cheiro e o toque da capa, o prazer de folhear, a expectativa da página seguinte, a satisfação do abrir e fechar. Pormenores que fazem a diferença e ajudam a justificar a sobrevivência de um objeto tantas vezes posto em questão.

“Há mais de um século, pelo menos, que o fim do livro vem sendo decretado a cada novo avanço tecnológico. Foi assim com o rádio, o cinema, a televisão, a internet, e agora com os smartphones e outros dispositivos móveis; já para não falar do desafio que representarão os tão falados modelos de linguagem”, nota o sociólogo e investigador Miguel Ângelo Lopes, para destacar que, contrariamente a estas suposições, “o que tem acontecido é que o livro se tem adaptado a cada novo desafio, e continua a ter um significado cultural, educacional e intelectual”.

O escritor e editor João Manuel Ribeiro destaca as diferenças que fazem do livro um objeto único: “Costumo dizer que a experiência de ver um catálogo de uma exposição de pintura não é comparável com a visita e a visão da exposição. Com os livros, creio que algo de semelhante se passa: o prazer de ler um livro digital nada tem de comparável com um livro em papel. A relação com a leitura é muito distinta”. Por isso, também ele está seguro de que “o livro é e continuará a ser relevante e decisivo para as novas gerações”.

Já a escritora e argumentista Sara Rodi lembra que “por contraponto aos estímulos tecnológicos, os livros ajudam-nos a parar e a trabalhar a concentração. São uma forma de entretenimento, mas também um estímulo à reflexão e ao questionamento – tão em défice na era da rapidez e da superficialidade”. Além disso, acrescenta, “os livros permitem colecionar experiências e personagens – muitas vidas numa vida só –, o que trabalha o autoconhecimento, a empatia e a compreensão do mundo e das pessoas à nossa volta. Há outras formas de trabalhar tudo isto, mas um livro é um belíssimo ‘concentrado’ daquilo a que hoje chamamos de competências para o século XXI”.

Olhando para os números que têm revelado como as vendas de livros em papel têm crescido (muito graças às gerações mais jovens), e para os múltiplos argumentos que justificam esta “paixão” pelas páginas impressas, não será exagero afirmar que o futuro (e o sucesso) do livro em papel está, de facto, assegurado.

 “O livro é uma escapatória ao digital”

Um livro tem de ser lido em papel. Porque “um livro é uma escapatória do digital”, e não faria sentido ler num Kindle ou outro dispositivo, que “não se encaixam no ambiente de leitura que mais gosto, em que me abstraio da realidade tão intensa e rápida que vivemos”. Quem o diz é Martim Letria, 19 anos, um dos 13 protagonistas do “Aos Papéis”, uma campanha de sensibilização e promoção da leitura do Plano Nacional de Leitura.

Estudante de Engenharia Biológica no Instituto Superior Técnico, o seu interesse pela leitura começou por volta dos 15 anos, com um livro que lhe “mudou a perspetiva sobre o mundo”: Os Filhos da Droga, de Christiane F.

Apaixonado por livros, tornou-se “demasiado exigente” e acaba sempre por “dedicar demasiado tempo à escolha do próximo”. De todos os que lê, tenta “retirar sempre algo”, e gosta sobretudo de um livro que o faça pensar – “que me penetre o pensamento a horas absurdas”, diz. Anseios e exigências que só consegue concretizar numa leitura em papel, que lhe dá a necessária “escapatória” e “abstração”. Além disso, confessa, “a minha geração tem um fascínio com o vintage, o retro… e de certa maneira os livros em papel encaixam-se aí”.

“Os livros ajudam-nos a parar e a trabalhar a concentração. São uma forma de entretenimento, mas também um estímulo à reflexão e ao questionamento – tão em défice na era da rapidez e da superficialidade”.
Sara Rodi, escritora e argumentista