Uma mãe adotiva, um ultraleve e um bando de íbis-eremitas 

8 de Maio 2025

Às vezes, a natureza agradece uma ajuda humana. Através das migrações assistidas, é possível ensinar rotas migratórias às aves criadas em cativeiro. A espécie íbis-eremita, que esteve à beira da extinção, está a beneficiar desta “mãozinha”.

O que acontece quando o instinto de migrar continua presente, mas já não há quem ensine o caminho? Para muitas aves migratórias, isso significa desorientação – e a possibilidade de acabar em locais onde não há alimento suficiente ou as condições climáticas tornam a sobrevivência difícil. A boa notícia é que há uns seres, chamados humanos, que podem dar uma ajuda, orientando estas viagens e mostrando rotas mais seguras para destinos com temperaturas amenas e comida em abundância.

O íbis-eremita (Geronticus eremita) esteve muito perto da extinção. Segundo a Lista Vermelha da IUCN, esta ave encontra-se “Em Perigo”, a nível global, e é considerada “Regionalmente Extinta” na Europa. Vários países e organizações uniram esforços, nas últimas duas décadas, implementando programas de conservação que estão a reverter a tendência de declínio acentuado nas populações da espécie. Mas percebeu-se que as aves que nascem e são criadas em cativeiro podem ser vítimas do instinto de migrar, uma vez que deixaram de ter progenitores que os orientem na direção a seguir.

O biólogo austríaco Johannes Fritz, do projeto de conservação Waldrappteam, decidiu dar-lhes uma ajuda através de migrações assistidas. Inspirado no trabalho do canadiano Bill Lishman – que, em 1993, orientou, a bordo de um ultraleve, a migração de 36 gansos entre o Canadá e a Carolina do Sul, nos Estados Unidos da América –, Fritz começou a assistir grupos de íbis-eremitas nas suas viagens migratórias. Ao longo de 800 quilómetros, percorreu com elas a distância que separa as colónias de procriação no Norte dos Alpes, e a Toscânia, em Itália, onde encontravam, na lagoa de Orbetello, boas condições para passar o inverno.

Entre 2004 e 2022, o biólogo e a sua equipa realizaram 15 viagens. Ao comando de um ultraleve, levaram até ao destino um total de 277 íbis-eremitas, que se tornaram capazes de ensinar o caminho de volta aos seus descendentes.

Estas viagens implicam uma preparação prévia cuidada. As aves criadas em cativeiro têm de estabelecer vínculos com um ser humano, como se este fosse a sua própria mãe. Essa figura maternal será seguida pelos íbis-eremitas juvenis, para onde quer que vá, incluindo para o destino de invernada, quando se puser a bordo de um ultraleve. Para facilitar a vinculação, as “mães adotivas” vestem sempre roupa amarela quando estão com as crias – a mesma cor que usam mais tarde, durante os longos voos.

A mais longa migração assistida 

Em 2022, uma das aves afastou-se do grupo e percorreu sozinha uma distância que representa quase o triplo da rota italiana. O seu localizador GPS permitiu perceber que o destino final foi Cártama, em Málaga. As alterações climáticas estavam a afetar as migrações e Fritz considerou que este íbis-eremita estava à procura de novas rotas. Então, estabeleceu contactos com a equipa do Proyeto Eremita, na Andaluzia, outra organização que tem desenvolvido programas de conservação da espécie. Juntos começaram a planear a mais longa migração assistida de que havia registo: 2300 quilómetros, entre a Europa Central e a Andaluzia.

A viagem incrível de 35 íbis-eremitas juvenis a voar atrás de um ultraleve teve início em agosto de 2023. Chegaram ao destino no início de outubro, após 44 dias de voo, com várias paragens pelo caminho e a passagem por três países. Em 2024, a viagem repetiu-se com sucesso e com mais alguns quilómetros: desta vez, foram 2600, até Medina Sidónia, na província de Cádis.

Ao atingirem a maturidade sexual, por volta dos três anos, as aves poderão voar de volta ao norte dos Alpes, na Alemanha e na Áustria, para procriar. Segundo o projeto Waldrappteam, a maioria dos íbis-eremitas regressa à sua colónia de origem. Acresce que os juvenis selvagens, que nasceram nessas colónias, seguirão os seus congéneres no outono, para o destino de invernada, sem intervenção humana adicional. Dessa forma, cria-se uma tradição migratória. Ainda assim, as migrações assistidas vão continuar, contribuindo para o enriquecimento genético da espécie e para o aumento das suas populações.

As aves criadas em cativeiro têm de estabelecer um vínculo com um ser humano, como se este fosse a sua própria mãe. Essa figura maternal será seguida pelos íbis-eremitas juvenis, para onde quer que vá, incluindo para o destino de invernada, quando se puser a bordo de um ultraleve.